sexta-feira, 27 de abril de 2012

Doce solidão.


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Tinha saído apenas para tomar um café – era frio, som de violão, solidão. Naquele lugarzinho que achei por acaso porque entrei na rua errada quando fugia de você, quando fugia de alguma coisa morta que tinha me dito que matou alguma coisa viva que ainda sentia. Andando sem prestar atenção, levantei a cabeça assim que  senti o cheiro forte de café, e percebi que testava no caminho errado, que se tornara o certo por acaso. Eu gostei imediatamente daquele lugar porque tinha música, era pequeno e na frente tinha um terreno abandonado que alguém plantou flores. No meio da cidade, um café com vista para flores. Eu achei poético, você teria achado cafona. Eu me achava meio artista, você sempre falou que era muito dramática, e tinha que acordar para a vida. A vida é cruel, você dizia. Eu sei que é, mas não posso tornar essa crueldade um pouco mais doce?
Pensava ainda em você e nas suas palavras sempre duras quando entrei. Mas a  voz que ouvi logo cortou meus pensamentos. Cantava, voz rouca, Foge que eu te encontro que eu já tenho asa, Isso lá é bom, Doce solidão? Doce solidão. Você cantava como se só existisse você e seu violão, olhos fechados, sentimento, lindo. Sentei, logo pedi meu café e o bolo de sempre, mas não consegui sentir o doce do bolo, só o doce da solidão que eu vivia ali naquela mesa, embalada ao som doce do seu violão, que espantava o amargo dos pensamentos que tinham me levado até ali. Fiquei, não sei quantas músicas ou quantos cafés, mas fiquei prestando atenção em você e na sua melodia.
Sua música era linda. Você, na verdade era comum – uns bons anos a mais que eu. Trinta e alguma coisa, talvez. Algum cabelo branco, olhos verdes e cansados. Mas era lindo, tinha algo que o tornava lindo, ainda que. Quando parou de cantar e veio em minha direção quase não parecia real. Assim, sem rodeios ou conversas prontas, apenas pediu licença para sentar, pediu dois cafés e disse que percebeu o quanto eu prestava atenção. Gostou da música? Eu consenti, me sentindo meio besta por não pensar em nada inteligente para dizer. Mas não precisei, com você eu falaria sem me esforçar, sem querer parecer menos dramática ou mais pé no chão. Com você falaria das coisas da alma,  das partidas e chegadas, falaríamos de sentimentos mesmo quando a gente não falasse nada. Você teria ouvidos e o ombro para eu encostar. Eu escutaria você lendo baixo suas letras, te daria minha opinião que seria atentamente considerada. Falaríamos dos livros, artistas, filmes. Você, do nada, deixaria em cima da minha cama aquele livro que eu disse que queria. Eu ficaria na sua cama, esperando você voltar, sem nenhum medo, sem querer parecer que precisava de você, ainda que eu precisasse. E você, sem medo algum, precisaria de mim também, sorrindo leve, abraçando apertado, tudo tão blues.
Naquele momento, eu soube que.
Enquanto a gente se olhava nos olhos, seus cansados, não de meninos querendo conquistar cada vez mais garotas para depois abandoná-las sem motivo algum, mas de homem, querendo dividir sua doce solidão.
Depois daquele dia e de tantos outros que nos encontramos, continuava doce. Só que já não era solidão, éramos nós.

Os dias que eu me vejo só
São dias que eu me encontro mais
E mesmo assim eu sei tão bem
existe alguém pra me libertar.
Condicional -  Los Hermanos


Obs. Titulo e trecho presente no texto é da música Doce Solidão, de Marcelo Camelo.




quarta-feira, 25 de abril de 2012

Borboleta e o jardim


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E falam os poemas, as músicas e as pessoas: cuide do seu jardim, que a borboleta volta. Se cuida, todos diziam – até ele – que volta. Então fui levantar e cuidar do jardim, mas que tarefa mais difícil! Tem que ter paciência para cuidar do tal jardim. Tem hora que da vontade de arrancar tudo, matar tudo, deixar o jardim só cheio de barro e falar que se ferre o jardim. Mas de uma maneira bem menos educada, se é que me entende. Mas então vamos lá, aos poucos, cuidando do jardim... tirando as folhas secas, algumas tendo que ser arrancadas bem pela raiz. Algumas raízes já tão fundas, fincadas, por mais que a planta esteja morta e sem vida, doem para sair. Vontade de deixar elas ali, mas não, temos que arrancar, recomeçar, replantar, blábláblá.
Escolher as sementes certas... flores menos bonitas, porém mais saudáveis. Algumas sementes não vingam, a gente sabe. Algumas morrem no começo, outras secam no caminho. Aos poucos, algumas flores vão surgindo, resistindo aos temporais, aos dias de sol muito forte, aos ventos que parecem querer levar tudo para longe. Passa o tempo, a gente mal vai percebendo, mas de repente temos um jardim, e olha só, ele está bonito, tem flores, plantas, cheiro bom e frescor. O jardim que a gente nem queria está ali, deu um trabalhão danado, mas agora é seu, parabéns, você conseguiu.
Logo, quem aparece? A tal borboleta. Borboletas sempre voltam e o seu jardim sou eu? Ah faça-me o favor borboleta. No meio do processo estava visitando outros jardins não? Agora que descobriu que o meu novamente é o mais cheiroso, mais bonito, sem mato e ervas daninhas, quer voltar?
Não obrigada.
O que aprendi sendo jardineira é cuidar do jardim. Para atrair novas borboletas, não pragas.

terça-feira, 17 de abril de 2012

Amor, coitado.

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O problema é que cada vez mais a gente vem aceitando que para merecer o amor, a gente tem que sofrer junto. É como se fosse um pacote: saboreie o amor mas guarde espaço para a grande decepção que vem depois. Porque o amor é doce, mas lá no fundinho você sabe que depois tem aquele gosto amargo, noites sem sono, raiva e decepções. Para depois ter amor de novo. E então, já vamos amando errado, como se fosse para realmente merecer o que nos espera. Ué, já que vou ter que passar um bocado de tempo fechada no quarto, usando uma camisa sua, comendo chocolate e assistindo dirty dancing enquanto tento entender porque tenho que sofrer tanto e porque você não me ama mais, vou te fazer sofrer um pouquinho já. Vou se rum pouquinho má. Vou mentir de leve. Vou sair escondidinha. Já que você vai me trair – porque não existe fidelidade e etc – vou te trair antes. Mas não porque eu queria, mas quando você não aparecer mais, ou quando eu descobrir que por trás de tudo aquilo doce você era totalmente estragado, vou poder dizer que te fiz sofrer. Vou merecer meu sofrimento de amor.

Ai que tristeza tudo isso que estamos fazendo com o amor, coitado. E colocamos toda a culpa nele, já percebeu?  Porque se jamais tivesse te conhecido, se jamais tivesse te beijado naquele fim de carnaval, se você jamais tivesse dito que me amava e que nunca iria me fazer sofrer, se você não tivesse mentido que era diferente de todos os outros que também me beijaram no fim de carnaval ou no fim de tarde ou debaixo da chuva, eu não precisaria estar passando por tudo isso. Odeio você e odeio o amor, tudo culpa dele. E sua. 

Engraçado é que quando estamos lá de mãos dadas no cinema ou achando graça das piadas mais idiotas do mundo, quando tudo é doce e colorido, não nos importamos. Amamos e amamos mesmo, e não colocamos a culpa em ninguém. Nessa hora, o pobre amor, tão xingado coitado, é a melhor coisa do mundo. Que ingratos que somos quando tudo acaba! Simplesmente a gente passa uma borracha e só sabe reclamar, culpar, xingar e sofrer. Principalmente xingar e sofrer.

Vamos parar de amar errado. De sofrer por antecipação, de culpar o amor pelo sofrimento que ele causa depois. Ei, ele não causa sofrimento depois! Amor é sempre lindo, sublime, doce, reconfortante, cor-de-rosa, avassalador. Esse é o amor. E não mata.
O verdadeiro causador dos sofrimentos somos nós. Eu, você, a piriguete que deu em cima do seu namorado e o cara que te deu um pé-na-bunda. Simplesmente porque não sabemos lidar com o amor do jeito certo, já que pensamos que nossa sina é sofrer. Que dramáticos que somos.

Nenhum sofrimento pós-amor é merecido. Mas passamos por ele. E temos mesmo que passar, porque algumas coisas a gente tem que aprender. E depois ele vem de novo: prepare seu coração e arrume seu cabelo, ele não tem hora pra chegar. Vê se recebe ele certo dessa vez.


segunda-feira, 16 de abril de 2012

Selva de Pedra

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Então eu decidi ir embora. Não, nem de país, muito menos de cidade, apesar da ideia ser boa. Apenas decidi que tinha que respirar novos ares. Mudei, do bairro para o campo. O lado oposto de você, da sua casa, da selva de pedra que tu vive e das paredes de mentiras que sustenta. Já que era ser para livre, tinha que aprender a ser livre, tinha que começar. Te disse que mudei, mas palavras não adiantam. Tive que mudar, não somente em atitudes, em palavras, mas tive que ir até um ponto novo.

Sempre fui garota da cidade, você sabe disso. A sua garota da cidade. Mas já que nem sua era mais, não me cabia mais ser da cidade também, não acha? Queria algo novo. Pisar no chão, respirar sem culpa, nadar livre, acordar com outro som, com outro cheiro – até com outro beijo, por que não? Beijo calmo, violão. Aqui é tudo tão mais leve, venho descobrindo, já nem me lembro mais das paredes de concreto: na casa de madeira tudo se ouve, tudo é tão claro... a gente sabe exatamente onde está pisando, se você me entende.

Liberdade, você não queria? Disse para eu ser livre também. Mas você ficou... e eu não queria ir. Mas agora, nem me lembro mais de ser da cidade. E você parece tão preso na sua tal liberdade estranha! E um pouco triste também, tal como sorriso de plástico. Não sei, pode ser apenas impressão – é que agora moro no mato sabe? Algumas coisas já não fazem mais sentido, embora tenham feito um dia, nunca, nunca mais. Mordi a fruta fresca, do pé, e o sabor era novo – o resto ficou lá pra trás, junto com a selva de pedra que não mais me cabia . Junto com você.

"Olhando a extrema beleza dos pássaros amarelos calculo o que seria se eu perdesse totalmente o medo. O conforto da prisão burguesa tantas vezes me bate no rosto. E, antes de aprender a ser livre, tudo eu aguentava - só para não ser livre." C. Lispector

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terça-feira, 10 de abril de 2012

Debaixo da casca.

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Pode ser que não tenha os mesmos olhos que você, nem um sorriso tão lindo. Pode não ter um beijo de tirar o fôlego ou então uma voz rouca que arrepia.  Tem um corpo magro, esguio, tão diferente de todos os músculos que você tem – e tem orgulho de mostrar. Nem de longe é parecido com você – o ideal que eu tinha para mim. Mas, atrás de todas as coisas que não me atraem no primeiro instante, ele tem algo que você não tem: é verdadeiro. E na sua sinceridade, lealdade, carinho é que me vejo perdendo as palavras, e descobrindo cada dia uma sensação nova – boas dessa vez. Diferentes do que foi com você.

É engraçado, porque se tivesse um ao lado do outro em algum lugar, com certeza minha primeira escolha seria você. Sempre foi. Porque você tem tudo que me atrai, tudo que é belo – mas apenas do lado de fora. Só que com o tempo a gente aprende que aquele velho ditado da nossa avó ‘beleza não põe mesa’ é totalmente verdadeiro. O belo se torna feio, o belo não sustenta. A primeira vista,  quem é provido somente de beleza acaba se saindo sempre melhor. Porém, para as pessoas que procuram algo mais, que querem ir além de uma imagem bonita ao seu lado, acabam preferindo quem tem o conteúdo melhor que a embalagem. Clichê, brega essa coisa de conteúdo e embalagem, interior e exterior, mas é verdade.

Então, não se espante de me ver por aí com alguém que não tem nada a ver comigo, ou com você. Na verdade, estranhos somos nós, que só tentamos construir algo baseado em falsos sentimentos. Não, não se espante de me ver andando por aí com alguém que não tem nada a ver comigo, mas tem tudo a ver com o que eu sinto. O sorriso, sabe, é verdadeiro, junto com todo o sentimento que fica embaixo daquilo que poucos enxergam.

segunda-feira, 2 de abril de 2012

(des) espero.

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Eu tinha ido até lá para me distrair. Um bom livro na bolsa, uma boa música nos ouvidos, e todo aquele mar na minha frente. Poderia ficar horas assim, só olhando o mar, deitada lendo meu livro, ouvindo as tantas músicas que me transportavam para outros lugares, para outras saudades. Adorava ter esses momentos de pura distração, de levar o pensamento para longe – para o passado e para o futuro, sentir o cheiro salgado e friozinho do começo de outono.

Distraída, eu copiava alguns trechos do meu livro, cantarolava alguma coisa sem nexo. Distraído, você sentou ao meu lado, bem pertinho – e me perturbou. Primeiro, porque estava invadindo meu espaço, um espaço que deveria ser só meu, afinal eu detestava ter que dividir esses momentos de solidão com alguém. Depois, fiquei perturbada por você, pela sua figura. Você não era o mais lindo, mas com certeza era bonito. Escutava música, também distraído, olhando o mar. Tinha um cheiro incrível – um cheiro que me lembrava algo do passado, que era igualmente bom.
Era cheiro de sentimento, descobri depois.

Você não disse nada, eu não disse nada, mas nós dois compartilhávamos algo além de nossa solidão. Então, já não viajava no meu passado-presente-futuro, mas tentava adivinhar o que tinha te trazido ali. Teria perdido um amor? Seus olhos estavam tristes. Ou eram só olhares cansados.  Mas o que te cansava tanto? De repente, eu quis encostar tua cabeça no meu ombro e murmurar descansa... quis passar as mãos nos seus cabelos e desgrenhá-los ainda mais. Queria ouvir seu sorriso, te beijar quem sabe?

Confusa, levei um susto.  Sua mão tinha encostado na minha. Será que ainda era minha imaginação?
Não, não era – seu sorriso débil e lindo me mostrou que era real. É cansaço, e amor perdido também. Você também?
Linda voz. Eu também, eu disse, eu também. Um beijo doce, sua cabeça no meu ombro, meu livro no meu colo e seu cheiro se misturando com o meu. Não sei dizer quanto tempo durou, hoje talvez nem saiba dizer se tinha sido tudo desse jeito.
Parecia cena de filme,
Mas era só daquelas coisas que acontecem quando a gente só vai a um lugar para se distrair.

‘É preciso estar distraído e não esperando absolutamente nada. Não há nada a ser esperado. Nem desesperado. Tudo é maya / ilusão. Ou samsara / círculo vicioso.’ -  Caio F. Abreu