sábado, 3 de novembro de 2012

Desbotado.

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Enquanto bebo café e você fuma seu cigarro do outro lado da sala, eu me pergunto – será que você não vê, meu bem, que estamos por um triz? Você traga seu cigarro e eu fico num faz de conta que nada está acontecendo. Eu pego mais um café e você vira a página do jornal e assim a vida segue. 
Vem me dizer que eu sou tua? 
 Você comenta sobre as novas decisões políticas e eu finjo que entendo. Dessa vez quem acende um cigarro sou eu e você ri irônico, dizendo para eu largar esse vício – isso enquanto acende mais um para você. Dou risada também, e por um breve instante sinto um calor dentro do peito, culpa dos meus olhos encontrando os seus verdes e cansados enquanto sorri. Mas o sorriso logo congela e você vira mais uma página.
 Vem bagunçar o meu cabelo impecável e me dizer sorrindo que vai desarrumar minha vida? 
 Pode estar sol lá fora, talvez seja sábado ou domingo. Mas aqui dentro desse nosso apartamento é cinza e gelado. Você parece parte da decoração, tão cinza quanto. Há fumaça e cheiro de café, há você sem camisa e eu com um micro vestido. Há a gente por um triz, (você não vê?) bem no meio dessa coisa toda. Quando foi que chegamos a esse ponto mesmo? Será esse sempre o destino – tudo é colorido no começo até que vai desbotando, desbotando e termina com você virando a página do jornal e eu tentando achar cores nisso tudo? Não sei. Me aproximo de você, pego mais um cigarro e te observo. Você está acabando com meu pulmão. Você está destruindo meu coração. Você confunde a minha mente. 
 Tira o cigarro da minha boca agora e vamos nos amar loucamente nessa varanda fria? 
 Você mal me olha, mal me percebe. Sou linda, não vê? Quero explodir radiante essas cores que pulsam no meu peito. Te pergunto o que acontece e você me responde falando sobre uma manchete do jornal. Quis saber o que acontecia bem aqui, entre nós dois, mas como não me atrevo a perguntar de novo. Concordo que o furacão Sandy é um indício do fim do mundo. Te deixo aí – lindo e cinza – com suas divagações sobre o fim dos tempos e a péssima política do Brasil e saio desse apartamento que me sufoca. Está tudo tão colorido lá fora. Sorrio. O que está desbotado não merece minhas cores, então sigo. Para o dia, meu bem, nascer feliz. 

‘Todo dia a insônia me convence que o céu 
Faz tudo ficar infinito 
E que a solidão é pretensão de quem fica Escondido fazendo fita.
Todo dia tem a hora da sessão coruja 
Só entende quem namora Agora "vão bora"
 Estamos meu bem por um triz’
Cazuza.