segunda-feira, 28 de julho de 2014

Parágrafo único. Das palavras não ditas.


Num mundo de palavras incompreendidas, o silencio é a melhor coisa a dizer. Se fechar em um próprio mundo não significa estar fechado para as relações humanas, mas sim estar cansado de ver humanos se tratando igual a animais. Nesse mundo de gente mecânica, pareço apenas mais um andando em piloto automático, cumprindo metodicamente as obrigações de cada dia – acordo, miro minha cara no espelho, suspiro suavemente, escolho uma roupa, escovo meus dentes, esboço um sorriso, como, mijo, suo, fedo, sinto frio, exatamente igual a todo mundo. Mas a diferença é que meu coração não apenas bate, ele pulsa. Ele não apenas me da a vida, não apenas faz com que meu sangue seja bombeado num ritmo frenético para as veias e órgãos do meu corpo. Eu também sou um coração batendo no mundo, mas todo o meu mundo é coração. Exatamente por isso, ás vezes ele me cala, e faz sair da minha fala somente aquilo que é necessário. Palavras ás vezes são como as veias bombeadas pelo sangue – saem da minha boca apenas com o propósito de me manter vivo nesse mundo. Nessas horas, meu silêncio de palavras contidas na minha boca seca denuncia a sede que tenho e parece insaciável, a sede de ser um ponto colorido na multidão, de não ser o único a reparar nas gostas de orvalho que ficaram presas na plantinha esquecida ao lado do ponto de ônibus ou nas olheiras arroxeadas que entornam o rosto da senhora com olhar vago. Será que ela também sabe o que é deitar a cabeça no travesseiro, olhar por horas para o teto e se perguntar se isso tudo faz mesmo sentido? Será que ela também está cheia de se sentir vazia, de fazer parte desse vazio imenso representado nas multidões? Aos poucos, os dias vão ficando mais amenos, volto a sorrir outra vez. Sinto falta daqueles que outrora compartilhavam da mesma agonia que eu, os procuro. Não falamos, fazemos de novo do silêncio a compreensão desse mundo louco que todo mundo olha, mas poucas pessoas enxergam. Procuro o amor que deixei de canto por julga-lo impossível ou desmerecedor do meu afeto, e como sou totalmente coração, me entrego. Amar é se jogar de cabeça no abismo, sem saber se alguém estará de braços abertos para te segurar ou se você dará com a cabeça no chão duro de concreto, e por mais que tenha batido cabeça por tantas vezes acabo por sempre me jogar. Assim como me jogo no mundo, nos dias, nas palavras que não digo e nas ligações que não faço, no acordar e fazer a barba meticulosamente esperando por nada, é aí então que tudo acontece. E tudo tem um sentido novo outra vez. Silêncio, silêncio, porque nem sempre as palavras são necessárias. Nem sempre a companhia é estar ao lado. Nem sempre.

segunda-feira, 7 de julho de 2014

Aquela (maldita) música.

Maldita hora que liguei o rádio.

Precisei de apenas um acorde para retomar todos os outros sentidos. Sentido, aliás, é o que falta, e por mais que eu saiba que a nossa história foi tão curta que nem cabe em um mísero capítulo, eu insisto em pensar como se fosse um lindo enredo. Talvez eu deva chamá-la de minha história, ao que parece sou o único personagem que figura essas linhas tortas. Literatura não é isso, um maneira bonita de contar mentiras? 

Você tinha maneiras belíssimas de contar mentiras, sem precisar escrever uma palavra sequer. Beijando minha boca. Ficando em silêncio. Atravessando quilômetros somente para passar uma noite comigo, me lembrando de sentimentos que eu nem tenho certeza que existiam. Falando de passado, da época que foi preciso se afastar para que conseguisse lidar com aquilo que sentia, mas sem mencionar nada sobre o futuro e bagunçando dessa maneira meu presente.

 Preferia que você tivesse continuado ausente. Foram tantos anos vivendo apenas em suposição, pra que chegar assim e bagunçar tudo para depois partir? Penso ás vezes que tenha sido uma espécie de vingança, embora eu jamais tenha conhecido uma pessoa de coração tão puro como você. Coração puro e sorriso frouxo, olhos distantes de quem vê simplicidade em tudo. Poderia ser tudo tão simples, mesmo que parecesse complicado. Poderia, poderia, poderíamos tantas coisas se ao menos estivéssemos dispostos. 

Mas a única disposta era eu. Sou eu. Mas não se escreve um diálogo somente com uma pessoa – vira monólogo. Embora aprecie a solidão, cansei de falar sozinha. Acreditar sozinha. Amar você sozinha. Sim, amar – não ouse rotular o sentimento com conceitos pré-definidos. Amei você no instante que te vi chegar meio sem jeito bem na frente do meu portão, após tantos anos, amei você no instante em que te vi ir embora enquanto os primeiros raios da manhã chegavam, e amei você quando os primeiros acordes daquela música tocaram dentro do meu carro, me levando da viagem que eu seguia para a viagem que sinto agora.

Viagem que é só minha, da nossa história que eu criei. Abaixei o som, o vidro, abaixei a guarda. Deixei que o vento gelado da BR cheia de carros que vem e vão congelasse esse calor que despertou aqui dentro. O som estava ficando baixinho, baixinho – logo a música seria passado também. Assim como eu fui o seu. Assim como sua presença aqui dentro logo será. Novamente.