segunda-feira, 31 de março de 2014

Um texto sobre nada.

Mas na verdade o nada é uma palavra esperando tradução

Comecei a escrever querendo dizer nada. Não tinha nada que valia ser dito, mas ainda assim, precisava escrever. É algo que pulsa dentro de mim, algo que precisa ser jorrado para fora, não consegue ficar preso. Mesmo quando quero dizer nada, absolutamente nada, não consigo ficar quieta. Talvez seja esse o meu mal: mesmo quando há vazio, quero transformar o vazio em algo. Não consigo deixar ele somente lá. Vazio pesa demais, e colocar ele pra fora, mesmo que seja assim, sem nexo, sem assunto, sem viés, deixa tudo mais leve.

Aliás, as coisas não tem nexo. Já parou para olhar ao redor? Outra coisa que não consigo ficar sem: questionar. Indago tudo: por que a gente dorme? Por que existem roupas feias e bonitas, se o intuito é só cobrir o corpo? Por que doce é sobremesa e não ao contrário? Por que dinheiro é papel e não se fabrica a reveria? Por que música boa não faz sucesso? Por que beleza vem primeiro? Por que celebramos a estupidez?

Não sei olhar as coisas e não questionar. Não encontro resposta para tudo, é claro, mas o que me move são as perguntas. Aliás, movimento é o que me alimenta; mesmo se estou gastando um domingo inteiro de pijamas fazendo nada, estou em movimento. Sou um movimento. Sou constante. Mesmo que seja só dentro de mim.

Dentro de nós, aliás, é uma coisa muito louca. Tenho um prazer enorme em ficar horas parada em um lugar, observando os trejeitos das pessoas e pensando o que será que está movendo elas. O que será que elas estão pensando? Qual batalha está travada ali dentro? Quantas estão parecendo ser fortes, mas na verdade só queriam desabar? Quantas estão desabando, quando na verdade deveriam estar sendo fortes? Vejo os casais e me pergunto qual será o quase-amor que tiveram que abandonar para que aquele amor se consagrasse. E, quantos daqueles, estão presos há algo que chamam de amor, mas não passa de desespero?

Amor. Outra coisa que me confunde. Amo tanto, amo ninguém. Quero ele livre, quero ele solto, quero ele amarrado em mim. Como se diz eu te amo hoje em dia? Como se ama hoje em dia? Se ama igual. Era para ser assim, ou não, não sei. Não sei quem inventou regras para determinar como se ama, ou como se veste, ou porque doce não é prato principal ou então porque não se imprime mais dinheiro.

Não sei. Não queria dizer nada... só que eu não gosto do vazio. E que gosto do amor, acho que queria dizer isso também. É só que minha cabeça é muito pensante cara. Muito mesmo. Não vou terminar porque afinal de contas nem comecei. Só queria dizer que... ah, esquece vai. Continua. Todo dia igual.

Só preciso contar que hoje almocei uma sobremesa.

E acho que amei você por uns minutos também. Ou mais, quem sabe.

sexta-feira, 14 de março de 2014

Canção pra não voltar.

Não sei flutuar nas nuvens como você/Você não vai entender/Que eu não sei voar

Fumava o último cigarro enquanto estava à sua espera. Tic Tac. Uma tragada longa. Seriam duas longas semanas da mesma coisa. Eram três longos anos da mesma coisa. Se perguntava o porque de tantas idas e vindas, mas sabia que era um defeito do ser humano esse de persistir no erro, da dificuldade de abandonar. Amassou o cigarro no cinzeiro e sentiu aquele cheiro de tabaco queimado, a campainha tocou.

 Quase estranhos, um beijo frio. Formalidades (pra que formalidades?), como foi de viagem, tem pizza no forno, café na cafeteira, sim, sem açúcar, etc etc. Os dedos estavam frios, o coração inquieto e chovia lá fora. Mais um beijo frio, chovia ali dentro.

 Os três primeiros dias foram um inferno, dividido entre amor e ódio. Farpas foram trocadas, lágrimas derramadas, juras de amor eterno sussurradas no ouvido enquanto faziam um amor urgente. Depois, cada qual para o seu lado, sempre pisando em ovos, destacando o defeito um do outro. Promessas de ir embora, para sempre dessa vez, pedidos para ficar, mais beijos frios, cigarros por todos os lados. Foram só três dias. Queria que ficasse, mas não queria mais.

 No final da primeira semana, nada tinha mudado. Essa mesma contradição, que machuca. Esperou chegar da padaria – pode perceber, de um modo doído, a sua beleza – e pediu para que se sentasse. Pegou seus dedos calejados e frios. Silêncio. Entre as fumaças, explicou-lhe que sabiam que não iam a lugar nenhum. Que seria sempre assim. Existia o amor, é bem verdade, muito amor aliás, mas eram muito diferentes. Tinham mais uma semana ao lado um do outro, que pudessem ser livres e se amar livremente então. 

Sem passado, sem futuro, apenas um dia de cada vez. E então cada um seguia seu caminho, mas com a lembrança dessa última semana para acalentar seus corações. 

Chegou o último dia daquela semana, um aperto no coração. Haviam dado risada, não discutiram, sem amaram em silêncio, falavam com os olhos, se entenderam. Estavam sendo quem eram, estavam felizes. Viveram seu amor na forma mais puro, mas tinham que ir. No caminho da rodoviária, apenas as mãos entrelaçadas – não havia nada que podia ser dito, não queriam perder aqueles dias. Não havia o que mudar. Hora de ir, um beijo demorado, sem a necessidade de um ‘eu amo você’. Certas coisas não precisam ser ditas. Se foi, se foram. 

Era o primeiro dia de um novo ciclo. Sentiria saudades. Já sentia, de certa forma. Sentia muitas coisas, sentia muito. Mais uma tragada longa, uma tosse seca. Apagou o cigarro, apagou você. Dias se passariam sem nenhum contato, embora o desespero ás vezes batesse forte na porta e a saudade invadisse a cabeça como uma flecha. Dói, essa coisa que chamamos de amor. Dói, esse amor que inventamos para tratar como uma coisa. Os dias passavam lentamente. Lentamente, você passou também. E assim, já é verão novamente. Não se viram, nunca mais. 

A vida às vezes é difícil de se viver, pensou. Mas foi só isso. Difícil de se viver, mas se vive, um dia após o outro. Com sua lembrança já desbotada como uma roupa colorida que fica muito tempo esturricada no sol. Estava com a alma nua, a partir de agora.