segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

Um conto. (IV)

weheartit.com


Foi pouco tempo, mas parece que eterno. Ainda hoje, passado tantos anos – eu não mais menina e você bem mais homem, quem sabe – ainda lembro como se tivesse acontecido dias atrás. Lembranças boas  não se perdem, ainda que.
Eu tinha apenas vinte anos. Digo apenas, porque não era madura o suficiente – o mundo para mim era uma grande aventura, eu vivia sempre alegre e não enxergava as possibilidades. Você era tão pé no chão, com seus trinta e tantos anos – quantos mesmo? Não me importava na época. Eu não queria saber, eu era encantada por você, e mais encantada ainda pelo fato de você me escolher, eu tão infantil, com rosto de menina, com uma vida quase de adolescente ainda que com idade de mulher – você podia ter tantas mulheres, tão estudadas e inteligentes como você era, tão pertencentes ao seu mundo de blues, Nietzsche, Hendrix, Godard e tantos outros nomes que na época não me faziam sentido, mas não, você escolheu a mim.
Eu adorava a sua voz rouca, que me dizia tantas coisas sobre o mundo. O mundo, menina, vai muito além do que você tem aqui. Você vai querer conhecer o mundo. As ruas sujas de NY, os metros escuros de Londres, os pubs escondidos de Dublin. Você vai querer pertencer a tudo isso, sair daqui, ir muito além.
Mas eu tenho você, pra me contar essas coisas, dizia eu. E você então sorria, dava mais uma tragada no cigarro e beijava a minha testa.
Quanta paciência teve você e minhas crises de ciúmes – ciúmes daquelas mulheres lindas e bem resolvidas que ficavam ao seu redor, enquanto eu era apenas uma estudante da cidade grande – cidade que eu nem sequer explorava. Quantas vezes você me agüentou chorando por minha insegurança ou foi me buscar bêbada em algum bar. Tão inconseqüente! Mas para ti eu era interessante. Misteriosa, com uma mente que não descobriu ainda seu poder, e com uma sedução tão inocente que não imagina o poder que tem, dizia você. Eu apenas ria, boba, encantada.
Inúmeras vezes falei que te amava, que não iria suportar a dor de viver sem você. Tão dramática, sempre fui. Achava que a vida era um palco. Mas você me dizia que era do mundo, que tinha muita coisa para conhecer. Eu ficava perturbada com a hipótese de não ter mais você, te achava tão meu, ainda que soubesse que mais cedo ou mais tarde você partiria.
E você partiu.
Em um domingo, fazia frio e a cidade estava quieta, vazia. Você saiu da minha casa sem me dizer nada, apenas me deixou um bilhete: tive que partir menina. O mundo é grande. Sua dor vai passar, mas você aprenderá com ela. Aprendi muito mais com você do que você comigo, e mesmo que você não entenda tudo isso agora, mais tarde verá que foi necessário.
Assim, sem uma palavra de carinho, sem um numero de telefone. Sofri por dias, bebi muito, fumei muito, chorei muito. Não conseguia entender essa partida.
Mas o tempo foi passando, amadureci finalmente, e depois de tanto sofrimento, dor, saudades e incompreensão, consegui ficar apenas com tudo aquilo que foi bom.
Agora, mulher, resolvida, com o tempo já fazendo marcas em mim, compreendo tudo. Partiu quando tinha que partir, foi embora para me deixar livre, para me deixar crescer. Conheci o mundo, conheci a mim mesma. Sinto saudades de você, claro, daquela época e tudo mais. Mas sei que teria sido muito diferente, que eu não teria chegado onde estou se você não tivesse partido.
Ah, mas lembranças boas não se perdem, ainda que.


Ps. Fragmentos reunidos na página do blog. Curte?

13 comentários:

Anônimo disse...

Olá Cris,

Recordar-se do caminho trilhado é o melhor paradigma para os passos que virão, nunca duvidei disso.

Lindo teu escrito, mais lindo ainda a forma como te expressas.

Um abraço natalino!

Amanda Sanches disse...

Acheei tããão lindo
"Em um domingo, fazia frio e a cidade estava quieta, vazia."

doeu em mim, deve ser pq tbm tive um domingo assim :/]

bjs

Evelyn Dias disse...

Que lindo Cris.
Prendeu-me completamente em suas palavras. Muito lindo mesmo (:

beijos.

mfc disse...

Falaste numa característica para mim importantíssima numa mulher... ser-se uma mulher interessante!
Mulheres bonitas pode haver poucas... mas mulheres interessantes são ainda mais raras!

Beijinhos.

Luna Sanchez disse...

Deixar ir dói e só quem tem sorte acaba por entender, depois, os porquês. Quem não tem sofre uma vida toda.

Beijos. Achei lindo o texto.

Anônimo disse...

As lembranças boas não se perdem.
Amadurecimento tem mais a ver com liberdade. Precisamos respirar, tomar decisões, quebrar a cara de vez em quando, pra enfim, crescer.

Um Beijo pra ti. ;*

Danni Coutinho disse...

E realmente algumas pessoas entram em nossas vidas e saiem assim do nada sem explicar sem ao menos entendermos o porque mais na maioria das vezes isso é necessario para ficarmos mais fortes e crescermos mais devemos sempre guadarmos as lembranças boas e com elas lembrarmos que Valeu a Pena.bjsss

franco galán disse...

Hermoso


saludos

Lunna disse...

Gosto muito dos seus contos, parecem que tem um toque pessoal. um pouco de você nas palavras.


Beijos

Amanda Sanches disse...

Flor vim aqui lhe desejar um ótimo início de 2012, que esse ano seja abençoado para todos nós.

bjs:*

Larissa disse...

Ah, as lembranças que ficam e aquela nostalgia. Me pega muito. Gostei do conto. Feliz ano novo!

A verdade nua e crua disse...

chorei litrooooooooooooossssssss....
ainda que; final perfeito... eu escrevia assim no meu blog pessoal...
ñ que eu tenha me revoltado e esteja numa batalha contra os homens é só que... tem um lado sujo em toda essa coisa de amor.

Bruna Franco Teixeira disse...

Agora que percebi, em choque, que tem milhões de contos seus que eu preciso ler. OMG', fiquei muito tempo sem vir aqui. Mas prometo que irei me atualizes e comentar em todos eles ;D

beijões flor.