sexta-feira, 31 de outubro de 2014

História de uma quase música.

Não, tudo bem. O mundo está cheio de canções.

Era um ninho de vespa. Eu sabia que se cutucasse, iria provocar uma explosão, mas fazer o que? Dor. Talvez eu precisasse um pouco dessa dor, que carinhosamente eu chamo de saudades. Saudades do que não fomos. 

 E lá estava. Dobradinho, escondido no fundo da caixa, amassado, meio apagado – os rascunhos de uma música jamais concluída, assim como jamais concluí o que fomos eu e você. Eram cinco folhas rabiscadas, rasuradas, cheias de erros e com algumas partes ininteligíveis – mas eu tinha certeza que sua essência era bela, embora eu jamais fosse saber a conclusão. 

 Apertei meus olhos tentando decifrar, mas sua letra apressada não me deixou entender. Talvez tenha sido isso, no final das contas: seu amor apressado não me deixou entender. Jamais saberia qual seria o ritmo daquela canção inacabada, jamais entendi quais os compassos que embalaram a nossa história, mas de repente ela me pareceu muito como a sua música: um punhado de palavras soltas, que queriam significar muita coisa, mas eram exatamente aquilo que ali estava - um esboço de algo que poderia ser belo, algo que poderia ser eternizado, algo que poderia durar, mas que jamais foi concluído. 

 E jamais será.

 Naquela madrugada de domingo, entendi que não importava quanto eu tentasse adivinhar o que eram aquelas letras indecifráveis: não tinha cifra, não tinha ritmo, não chegou a ser canção. E aqui estou eu, papéis na mão, cigarro(s) ao lado, roupa velha, batom apagado, buscando por algo que seja um refrão. Achei que podíamos ter vivido um amor Mallu e Camelo, mas me dei conta de que não sei cantar e que seus versos sozinhos não servem nem para ritmar o batuque do meu coração.

Podia ter quebrado o silêncio do quarto com o barulho dos papéis sendo rasgados furiosamente. Mas preferi prestar atenção nos sussurros dos vizinhos, nos insetos voadores, no vento inquieto – componentes daquela trilha sonora que está sempre ali, todo dia, toda noite, mas que quase ninguém percebe. Tipo eu e você.

 Guardei de volta na caixa. Caixa de papelão, de um sapato qualquer que nem tenho mais. Assim como as coisas que deixo ali dentro. Tanto fez, tanto faz.

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