domingo, 13 de outubro de 2013

Filosofia vira-lata.

A liberdade é um cachorro vira-lata - Millôr Fernandes


Os de raça são todos iguais. Cara de um, focinho de outro. Eles precisam de artigos de petshop de grife para manter a compostura. Só comem comida com pedigree. Andam em bandos, sempre com uma trupe da mesma raça, falando as mesmas coisas banais. Sempre o mesmo tom de latido, não mijam nem pensam fora da caixa. Engomadinhos, são criados  em apartamentos caros na beira do mar. Pra manter seus músculos fortes e o padrão da raça, correm no final de tarde, bebem água mineral e fogem da boêmia. Só farejam cadelinhas com pedigree legítimo igual ao seu – mas como todo bom cachorro, cruzam muito por aí. Voltam ao seu apartamento, se olham no espelho orgulhosos do que veem, não se importam que são iguais ao da mesa raça. Postam foto no instagram e vão dormir satisfeito por fazerem parte daquele quadrado único.

Nascem de uma mistura, o que os fazem únicos. Alguns são pequenos, outros grandes, pretos, brancos, pretos com brancos, pelo liso, enrolado, sem pelo. Andam em grupo também, mas nenhum é igual ao outro. Ás vezes comem algo com pedigree, outras se viram catando algo delicioso na esquina. As esquinas, aliás, são sempre uma aventura: estão em todo canto da cidade, alguns não tem casa, outros moram numa caixinha de papelão, muito pequena para o tamanho das suas ideias. Boêmios, são da rua, dos bares, dos botecos sem raça. Quase nunca ficam doentes, não tem medo da chuva, do sol forte,  são filhos do gueto. São malandros, tem samba no pé, gingado no corpo, mandriões. Ás vezes olham a trupe dos cães de raça passando por ali, e tiram sarro através de um uivado esganiçado.

Tem os que nascem cheio de raça e caem na graça dos vira-latas. Existem os que nascem sem eira nem beira e fazem tudo para caber dentro da caixinha seleta. Uns são adestrados por natureza, outros fazem questão de se adestrar e repetir tudo que mandam: faça assim, vista isso, seja aquilo, ouça essa, não saia com aquela, prefira as poodles, aquela é só uma cadela. A cidade é uma matilha, sábados a noite são uivantes, terminam com latidos estridentes, alguns choram quietinhos no canto com o rabinho enfiado entre as pernas, outros ladram, mas não mordem. Na segunda, alguns vão para seu canil, passam oito horas por dia imaginando como é ser livre e correr na estrada quando bem entender. Outros, tem a oportunidade de não precisar se desgastar num canil, mas passam o dia presos em seus apartamentos se sentindo felizes porque são “livres”.


Os de raça, são sem graça. Sabemos sempre o que vem por aí. Os sem raça definida se definem na sua variedade: a gente nunca espera o que acontece depois. Não gostam de coleiras, mas podem andar sempre ao seu lado, sem a necessidade de serem mandados. Uns, exibem orgulhosos seu pedigree, enquanto outros, como eu, só querem seguir a minha filosofia vira-lata.

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