segunda-feira, 3 de fevereiro de 2014

Uma história (i)real.

Eu ouvindo o Rio.


Antes de começar a contar essa história, preciso avisar que ela é uma história inventada. O que não significa que cada linha que escrevo aqui não seja real. Também preciso avisar que não sei contar histórias, e justamente por isso insisto em contá-las. Escrevo aqui com o coração.

Quem me contou essa história foi o rio. Ele sussurrou em meu ouvido enquanto estive deitada em cima de sua pedra, com as mãos mergulhadas em sua água gelada. 

Ele não soube me precisar há quanto tempo foi, porque o tempo para o rio é diferente do tempo para nós. A história começa com uma menina, chamada Indiferença, que aos dez anos foi abandonada pela mãe no leito do rio. Nessa época, seu nome era Luz, e foi justamente por conta dessa luz que irradiava que acabou na escuridão sem fim da mata vazia. Acontece que a mãe de Luz amava cegamente seu homem, que não aguentava competir com o brilho que vinha da menina, pedindo então para que a mãe escolhesse entre os dois. A mãe, cega de paixão, achou que não poderia viver sem o homem, e cedeu aos seus desejos. Assim, luz tornou-se indiferença, em nome de uma loucura de amor. 

A menina passou então a odiar o amor. Sozinha, sem saber o que fazer, entregou-se à natureza, e foi acolhida pelo rio, que a amou no primeiro instante que suas lágrimas salgadas se misturaram à sua doce água. Com o tempo, desaprendeu a ler e escrever, pois não precisava mais dos ensinamentos dos homens, apenas dos ensinamentos dos Deus da natureza. Conseguia da terra tudo que precisava, conhecia os animais, entregava-se ao rio. Também o amava, pois repudiava o amor dos homens somente. 

Dez anos se passaram e Indiferença cresceu. Tornou-se bela, com a pele morena do sol, longos cabelos encaracolados e um brilho no olhar que carregava de quando ainda era Luz. Passou a atrair homens de diversas idades, solteiros, casados, ricos e pobres, que iam até o rio para tentar encantar a Indiferença. Ela, que continuava odiando o amor, se deliciava em seduzi-los e depois abandoná-los, sumindo por entre o verde do mato e os deixando perdidos ao leito do rio, que quieto agradecia por cada homem que Indiferença acabava por dispensar. 

Até que um dia, aconteceu. Indiferença não conseguiu ficar imune, e ali mesmo no leito do rio se entregou, de corpo, alma, pele, paixão, desejo e amor. Se banhou em águas desconhecidas. Pela primeira vez, quis deixar a mata, o rio, o seu berço. Pela primeira vez na vida, Indiferença entendeu a mãe. 

 Porém, o rio, que sempre amou incondicionalmente a menina, que sempre a acolheu em suas águas calmas, não conseguiu aceitar. Em sua fúria, afogou a menina. Queria transformá-la em pedra, para que ali ficasse para sempre. Acontece, que as forças da natureza são sempre justas. Naquele dia, Indiferença morreu sim, mas não virou pedra, virou flor. A mais perfumada de todas. Um dia foi colhida e por um casal de namorados e teve suas pétalas jogadas na água do rio, que teve que suportar seu perfume enquanto assistia lentamente as pétalas viajarem por sua água até se perder no mar. Desde então, aquele rio nunca mais foi calmo, sua correnteza e forte, avassaladora, nem mesmo suas pedras ficam ali para sempre.

 - Por que? Lhe perguntei.

 - Para aprender, me disse ele. Nada agora fica preso em minhas águas, para que eu entenda que o amor tem que ser solto. Tem que fluir. Nosso maior erro é querer aprisioná-lo, fazer com que ele seja pedra. Por causa dessa nossa obsessão, acabamos por matá-lo. 

- E a mãe da menina?, voltei a questionar.

 - Não foi feliz, me disse o rio num sussurro. Ela também teve sua lição. Ela não queria aprisionar o amor, mas queria abdicar de tudo por causa dele. Abdicou de uma parte sua, de um pedaço seu no mundo, por causa de um amor. E agora vive só uma meia vida, procurando por Luz e achando Indiferença em todos os lugares. 

Fechei os olhos por um momento e pensei nas minhas próprias histórias. Por vezes, fui rio, por vezes, indiferença, por vezes, a mãe da menina. O que esqueci foi, de muitas vezes, ser eu mesma. Agradeci ao rio. Fiz uma concha com as mãos e bebi daquela água: queria que essa correnteza fluísse dentro de mim.

Um comentário:

Bell Ferreira disse...

Encantada, como sempre. Arrepiada, mais que nunca. ♥