segunda-feira, 29 de dezembro de 2014

Porta, Retrato.

Escrito ao som de Cícero.

Se pudesse descrever, seria azul. Me senti azul, tinha uma trilha sonora também, apenas um violão tocando ao fundo, com os acordes combinando com seu toque na minha pele, tão familiar. Queria poder descrever os olhos teus nos olhos meus, o silêncio da sua respiração arrepiando minha pele, o  calor da rua misturado com meu próprio calor. Nessa rua que, veja só, era a minha mas também não era mais, assim como você foi meu e também não é mais. Mais ainda assim a cor era azul – já desbotamos, você se lembra?

Não tenho como te explicar como senti, mas digo mesmo assim. Pense que você passou a infância toda numa casa e depois de anos volta para lá. Cada cômodo guarda uma lembrança boa, você deita no chão com os braços abertos e olha para o teto, os anos passam em segundos na sua mente. Você não quer sair dali, tudo é dolorosamente familiar  e tem um gosto bom, pouco importa se naquele mesmo cômodo você já tenha chorado, caído, sangrado – o que ficou impregnado naquele carpete velho foi só a mancha do sorvete preferido e as risadas perdidas de outrora. Mas ali não é mais seu lar. Isso de certa forma dói, mas veja só, sua casa é outra agora. Você é grande demais para aquilo tudo, não cabe mais ali.

É isso, me entende? É isso. Somos os mesmos, mas não somos iguais. Minha casa já não é mais a sua, já não é mais você, já não cabe mais. Isso que eu queria te dizer naquele pequeno espaço de tempo que dividíamos, sugando cada segundo como se fossem os últimos, e eram, e sabíamos que não seriam mais, foi como se houvesse uma brecha no tempo em que tudo pudesse ser permitido e não parecesse errado, como se a gente nunca tivesse errado ou que nosso erro fosse não tivéssemos tentado mais e mais.

E o depois? Pouco importa.  Eu me sinto tão azul agora, não quero saber que cores virão. Só queria poder retratar a forma tão bonita de que foi. Seriam acordes doces, seguindo o (des)compasso do meu coração. Seria aquele porta retrato esquecido no canto da sala, já desbotado, mas que de alguma forma colore tudo. Não consigo descrever essa intensidade, desculpe-me. Também não consegui olhar para trás quando fechei a porta. Melhor assim, melhor assim.

terça-feira, 25 de novembro de 2014

Carta.

(Porque a minha eu guardo só pra mim)

Tem chuva caindo lá fora. Tem gente se molhando, tem gente praguejando, tem gente agradecendo, tem gente chorando junto com chuva. 
Quanta coisa está acontecendo quando a gente acha que nada acontece. 
Tem gente trabalhando e sonhando e ir se juntar aos pingos.
 Tem gente se molhando, e sonhando em ter um trabalho. 
Tem gente indo, gente vindo.
Existe um tempo paralelo entre as coisas que a gente vive nesse momento e as coisas que acontecem, e que às vezes não nos damos conta.
 Tem gente trocando mensagem.
 Tem gente envelopando palavras, e tem palavras viajando dentro de caixas, que estão dentro de caminhões, que estão em cima das estradas, que estão sendo observadas por alguma pessoa da janela. Tem gente que não olha na janela. 
Tem gente esperando. 
Tem gente que não espera nada. 
Mas aí Caio me disse: “Quem procura não acha. É preciso estar distraído e não esperando absolutamente nada. Não há nada a ser esperado. Nem desesperado”.
 E enquanto tinha gente esperando por algo que não vinha, gente se desesperando por algo que chegou, eu estava distraída, esperando quem sabe o relógio alcançar sua hora mágica. Ou então que apenas uma trégua da chuva. Ou ainda que o café ficasse pronto. Na verdade, então, eu esperava? Mas sem desespero.
 E então chegou. Envelopada. Atemporais. Sinergéticas. 
Mágicas, eu diria. 
Daquele tipo de magia que te faz sorrir no meio de uma terça qualquer quando você não está esperando nada, e te fará sorrir muitos anos depois quando sem querer você esbarra na sua caixa e ela se abre, e você enxerga. É uma pena que a maioria espere por respostas imediatas. Que pire nos sinais de que foi nitidamente ignorado. Que se expresse por bonequinhos de rosto amarelado.
 Não, não deixe de fazer – comunicar é sempre preciso. Mas existem muitas maneiras de fazer isso, e as melhores são aquelas que perduram mesmo depois que a bateria acabar, que o software travar. Aquelas palavras que você pode tocar, pode imaginar, pode até cheirar – ah o cheiro do papel... 
Ah, a caligrafia. Como é bom ter o contato com um pedaço que é só seu, de mais ninguém. A letra de alguém é como sua voz, única. E agora é minha também. 
Espero que nesse momento tenha gente recebendo cartas. E sorrindo à toa, sem esperar ou desesperar.

quarta-feira, 12 de novembro de 2014

Era uma quarta-feira qualquer.

Eu quis te convencer, mas chega de insistir / Caberá ao nosso amor o que há de vir 

Já tinha começado nublado e chato, com sorrisos forçados na hora que precisava sorrir e textos sem emoção porque assim dizia o script. Não só porque era quarta-feira, mas acontecia como na música do Cazuza – no escritório sonhávamos que já era de tarde, todas as manhãs. 
Que se arrastavam. 
 Desculpas esfarrapadas na hora do almoço porque não estava dada a interações humanas, o mundo tinha tantos e tantos mistérios infindáveis para perder o tempo discutindo as mesmas pautas de sempre, nossas manias de complicar as coisas simples, a neura de ser preterida, a falta de confiança e de amor próprio e todos os mimimis que acompanham pratos de arroz-feijão-bife-salada-sobremesa. 
Preferi almoçar café e bolo de chocolate. Um pedaço enorme, dentro do limite que poderia pagar (teria eu comido o bolo inteiro se assim tivesse condições financeiras). Como o bom e velho ritual para dias que quero ficar sozinha com meus pensamentos (dias esses cada vez mais frequentes), sentei-me no mesmíssimo banco da mesmíssima praça, para observar aquilo que entre tantas coisas do mundo não me cansava nunca: o mar. Um cigarro aceso, de praxe. Rituais são rituais. 
Porém, antes mesmo que eu pudesse me afogar naquela turbulência que são meus pensamentos e lamentar cada minuto que se passava e me deixava mais próxima da volta, ouvi uma melodia. Calma e linda. Avistei você. Sereno e lindo, com seus dois cachorros, roupa largada e rosto despreocupado. Ao contrário do meu semblante, suponho.
 Você cruzou a minha frente com seu ar distraído. Não sei se foi o misto de sentimentos emaranhados na minha cabeça, o raio do sol que atravessou as folhas e iluminou seu olho castanho ou o mesmo lírio que continuava sozinho no meio do matagal, mas quando você passou por mim, num ímpeto te pedi para que tocasse uma música. Moço, tenho que voltar para o trabalho, salva a minha tarde, canta pra mim? 
Você não me julgou nem me olhou com estranheza, apenas sorriu e começou: Abre os teus armários, eu estou a te esperar / Para ver deitar o sol sobre os teus braços castos/ Cobre a culpa vã, até amanhã eu vou ficar / E fazer do teu sorriso um abrigo.
Eu sorri. Você também. Sua voz era linda, seu cachorro fofo. Você continuou. Cantou também Janta e arrebatou com Doce Solidão
 Foge que eu te encontro, que eu já tenho asas. E assim foi. Eu tinha que voltar, você tinha que ir, me disse que era Léo, e isso é tudo que sei. E que o meu refúgio preferido é também o seu palco. 
E que você salvou minha tarde. Agora, aqui envolta das paredes sem graça e textos técnicos, me pergunto se te inventei, se não foi algo que eu li ou um ato desesperado da minha mente para devolver a cor do meu dia. E secretamente sei que meus momentos de refúgio serão também de espera, quiçá de esperança. Quem sabe eu precise ser salva novamente e você apareça. 
Quem sabe.

terça-feira, 11 de novembro de 2014

Da série: diálogos que escondi na gaveta

Abre teus armários, que eu estou a te esperar

Risadas abafadas. 
- E se eu me apaixonar menininha?
 Pausa. 
- Coma açúcar e ouça músicas, ajuda. 
(...) 
- Você não tem coração?
 - Ah eu tenho. E ele é grande e bobo. Mas acontece que depois de um certo tempo a gente vai cuidando para saber quem entra nele. Muitos podem sentir o calor que ele emana, mas a entrada é permitida para poucos. Não, baby, não me olhe assim. Acontece... Acontece que eu já mantive a porta aberta, mas tem gente que entra e bagunça tudo, e você sabe, eu odeio arrumar a casa. 
- Você não pode culpar o próximo pela bagunça de outrem. 
Pausa.
- Sim, eu sei. Mas cansa. E eu não quero mais um objeto de decoração. Quero que seja de coração. 
- Você tem um chocolate? 
- Divide comigo? Açúcar sempre ajuda. (música tema de fundo, pôr-do-sol, silêncio. Sabe-se lá quando se inicia a bagunça).

quarta-feira, 5 de novembro de 2014

Dê lírios.


Ela disse que não gostava de rosas. Como iria gostar de algo que todo mundo gosta? Ela não era igual a todo mundo. Lírios, esses eram seu preferidos. Coloridos no meio de um jardim qualquer, enfeitando a via de algum bairro movimentado da cidade, espalhando o perfume para aqueles que possuem o olfato mais sensível. Ela ouvia bandas de que eu nunca tinha ouvido falar e se virava de cabeça para baixo para ter outra visão do mundo. Baby, quero te dizer que não precisa colocar suas pernas para o ar, você já tem uma visão diferente do mundo. 


Uma visão única, porque é sua, carregada das coisas bonitas e leves que você ama e que talvez quase ninguém conheça. Que bom poder conhecer um pouco do seu mundo. Pensei que não gostasse das rosas por causas do espinhos. Sabe, é algo bonito, mas as pessoas podem se machucar. Isso não parece um pouco com o amor? Será que é por isso que as pessoas dão rosas, como se fosse uma metáfora de aviso? Entrego-te toda essa beleza, mas segure com cautela, porque se o espinho entra, e pior, se ele permanece no dedo (ou no coração), dói muito. Deixa cicatrizes até. 


 Uau. Talvez se as pessoas soubessem disso quem sabe se machucassem menos. Por isso você gosta de Lírios? Mas quero te contar um segredo: existe neles um pó amarelo que pode fazer mal para a vista. Tipo o amor também quem sabe? Ah, mas você me disse que precisamos ser cega ás vezes. E encostar nos espinhos. Sem dor, como saber o sabor das alegrias? 


 Estava sentada esses dias em algum lugar e vi um lírio. Ele estava sozinho, numa imensidão de verde, e é como se emprestasse a vida para aquele espaço. Pouca gente reparou, talvez porque naquele mesmo jardim tivesse rosas e amor-perfeito, emoldurando amores imperfeitos que se silenciavam sob o sol ameno do fim de tarde. Mas eu vi o lírio, e entendi: ela não é igual a todo mundo. Nem todo mundo a vê. Talvez seja preciso virar de ponta-cabeça para tentar entender, ou talvez não, porque certas coisas não são feitas para ter sentido, mas para serem sentidas.

sexta-feira, 31 de outubro de 2014

História de uma quase música.

Não, tudo bem. O mundo está cheio de canções.

Era um ninho de vespa. Eu sabia que se cutucasse, iria provocar uma explosão, mas fazer o que? Dor. Talvez eu precisasse um pouco dessa dor, que carinhosamente eu chamo de saudades. Saudades do que não fomos. 

 E lá estava. Dobradinho, escondido no fundo da caixa, amassado, meio apagado – os rascunhos de uma música jamais concluída, assim como jamais concluí o que fomos eu e você. Eram cinco folhas rabiscadas, rasuradas, cheias de erros e com algumas partes ininteligíveis – mas eu tinha certeza que sua essência era bela, embora eu jamais fosse saber a conclusão. 

 Apertei meus olhos tentando decifrar, mas sua letra apressada não me deixou entender. Talvez tenha sido isso, no final das contas: seu amor apressado não me deixou entender. Jamais saberia qual seria o ritmo daquela canção inacabada, jamais entendi quais os compassos que embalaram a nossa história, mas de repente ela me pareceu muito como a sua música: um punhado de palavras soltas, que queriam significar muita coisa, mas eram exatamente aquilo que ali estava - um esboço de algo que poderia ser belo, algo que poderia ser eternizado, algo que poderia durar, mas que jamais foi concluído. 

 E jamais será.

 Naquela madrugada de domingo, entendi que não importava quanto eu tentasse adivinhar o que eram aquelas letras indecifráveis: não tinha cifra, não tinha ritmo, não chegou a ser canção. E aqui estou eu, papéis na mão, cigarro(s) ao lado, roupa velha, batom apagado, buscando por algo que seja um refrão. Achei que podíamos ter vivido um amor Mallu e Camelo, mas me dei conta de que não sei cantar e que seus versos sozinhos não servem nem para ritmar o batuque do meu coração.

Podia ter quebrado o silêncio do quarto com o barulho dos papéis sendo rasgados furiosamente. Mas preferi prestar atenção nos sussurros dos vizinhos, nos insetos voadores, no vento inquieto – componentes daquela trilha sonora que está sempre ali, todo dia, toda noite, mas que quase ninguém percebe. Tipo eu e você.

 Guardei de volta na caixa. Caixa de papelão, de um sapato qualquer que nem tenho mais. Assim como as coisas que deixo ali dentro. Tanto fez, tanto faz.

terça-feira, 28 de outubro de 2014

Das palavras contidas que não consegui conter.


Você veio como um sonho bom, numa madrugada fria qualquer. Um suspiro quente na minha pele gelada, sussurrando qualquer coisa no meu ouvido, que soava como uma canção. Música que embalava o vazio preenchido todo por você, sua respiração que ocupava a sala, sua voz rouca que por instantes me cala, teu beijo, tua boca, tua mão, tua roupa, eu rouca, louca, os pingos de suor... Mas tudo isso eu sei de cor. 

Decora meu coração que anda carente de decoração, de coração eu queria te dizer fica, enfeita meus domingos, conheça meus amigos, dorme mais um pouco. 

Mas, tampouco... você foi na verdade a ventania que passou. Ah, esse mesmo script de sempre. Se trata sempre do que eu presumo, mas posso te passar um resumo, uma síntese qualquer, sabe o que é? O amor é uma antítese moderna, não importa que minha perna esteja agora na sua perna, meu coração eu guardei em cima da estante, vem por enquanto ser meu instante, nesse lindo afago que já passou, passou... 

Mas eu sou constante. 
Coração palpitante. 
Não me importa que você tenha sido só um sonho bom. 
Eu estou acordada nesse momento. 
E talvez escrever soe como um lamento. 
Na verdade é o que ilumina o que eu chamo de amor incoerente. Como o que pensei pra gente. 
Sente ?

segunda-feira, 28 de julho de 2014

Parágrafo único. Das palavras não ditas.


Num mundo de palavras incompreendidas, o silencio é a melhor coisa a dizer. Se fechar em um próprio mundo não significa estar fechado para as relações humanas, mas sim estar cansado de ver humanos se tratando igual a animais. Nesse mundo de gente mecânica, pareço apenas mais um andando em piloto automático, cumprindo metodicamente as obrigações de cada dia – acordo, miro minha cara no espelho, suspiro suavemente, escolho uma roupa, escovo meus dentes, esboço um sorriso, como, mijo, suo, fedo, sinto frio, exatamente igual a todo mundo. Mas a diferença é que meu coração não apenas bate, ele pulsa. Ele não apenas me da a vida, não apenas faz com que meu sangue seja bombeado num ritmo frenético para as veias e órgãos do meu corpo. Eu também sou um coração batendo no mundo, mas todo o meu mundo é coração. Exatamente por isso, ás vezes ele me cala, e faz sair da minha fala somente aquilo que é necessário. Palavras ás vezes são como as veias bombeadas pelo sangue – saem da minha boca apenas com o propósito de me manter vivo nesse mundo. Nessas horas, meu silêncio de palavras contidas na minha boca seca denuncia a sede que tenho e parece insaciável, a sede de ser um ponto colorido na multidão, de não ser o único a reparar nas gostas de orvalho que ficaram presas na plantinha esquecida ao lado do ponto de ônibus ou nas olheiras arroxeadas que entornam o rosto da senhora com olhar vago. Será que ela também sabe o que é deitar a cabeça no travesseiro, olhar por horas para o teto e se perguntar se isso tudo faz mesmo sentido? Será que ela também está cheia de se sentir vazia, de fazer parte desse vazio imenso representado nas multidões? Aos poucos, os dias vão ficando mais amenos, volto a sorrir outra vez. Sinto falta daqueles que outrora compartilhavam da mesma agonia que eu, os procuro. Não falamos, fazemos de novo do silêncio a compreensão desse mundo louco que todo mundo olha, mas poucas pessoas enxergam. Procuro o amor que deixei de canto por julga-lo impossível ou desmerecedor do meu afeto, e como sou totalmente coração, me entrego. Amar é se jogar de cabeça no abismo, sem saber se alguém estará de braços abertos para te segurar ou se você dará com a cabeça no chão duro de concreto, e por mais que tenha batido cabeça por tantas vezes acabo por sempre me jogar. Assim como me jogo no mundo, nos dias, nas palavras que não digo e nas ligações que não faço, no acordar e fazer a barba meticulosamente esperando por nada, é aí então que tudo acontece. E tudo tem um sentido novo outra vez. Silêncio, silêncio, porque nem sempre as palavras são necessárias. Nem sempre a companhia é estar ao lado. Nem sempre.

segunda-feira, 7 de julho de 2014

Aquela (maldita) música.

Maldita hora que liguei o rádio.

Precisei de apenas um acorde para retomar todos os outros sentidos. Sentido, aliás, é o que falta, e por mais que eu saiba que a nossa história foi tão curta que nem cabe em um mísero capítulo, eu insisto em pensar como se fosse um lindo enredo. Talvez eu deva chamá-la de minha história, ao que parece sou o único personagem que figura essas linhas tortas. Literatura não é isso, um maneira bonita de contar mentiras? 

Você tinha maneiras belíssimas de contar mentiras, sem precisar escrever uma palavra sequer. Beijando minha boca. Ficando em silêncio. Atravessando quilômetros somente para passar uma noite comigo, me lembrando de sentimentos que eu nem tenho certeza que existiam. Falando de passado, da época que foi preciso se afastar para que conseguisse lidar com aquilo que sentia, mas sem mencionar nada sobre o futuro e bagunçando dessa maneira meu presente.

 Preferia que você tivesse continuado ausente. Foram tantos anos vivendo apenas em suposição, pra que chegar assim e bagunçar tudo para depois partir? Penso ás vezes que tenha sido uma espécie de vingança, embora eu jamais tenha conhecido uma pessoa de coração tão puro como você. Coração puro e sorriso frouxo, olhos distantes de quem vê simplicidade em tudo. Poderia ser tudo tão simples, mesmo que parecesse complicado. Poderia, poderia, poderíamos tantas coisas se ao menos estivéssemos dispostos. 

Mas a única disposta era eu. Sou eu. Mas não se escreve um diálogo somente com uma pessoa – vira monólogo. Embora aprecie a solidão, cansei de falar sozinha. Acreditar sozinha. Amar você sozinha. Sim, amar – não ouse rotular o sentimento com conceitos pré-definidos. Amei você no instante que te vi chegar meio sem jeito bem na frente do meu portão, após tantos anos, amei você no instante em que te vi ir embora enquanto os primeiros raios da manhã chegavam, e amei você quando os primeiros acordes daquela música tocaram dentro do meu carro, me levando da viagem que eu seguia para a viagem que sinto agora.

Viagem que é só minha, da nossa história que eu criei. Abaixei o som, o vidro, abaixei a guarda. Deixei que o vento gelado da BR cheia de carros que vem e vão congelasse esse calor que despertou aqui dentro. O som estava ficando baixinho, baixinho – logo a música seria passado também. Assim como eu fui o seu. Assim como sua presença aqui dentro logo será. Novamente.

segunda-feira, 14 de abril de 2014

Pausa.

 E “eu te amo” era uma farpa que não se podia tirar com uma pinça. Farpa incrustada na parte mais grossa da sola do pé.

Não falávamos, porque as palavras não eram necessárias. Palavras geralmente são vagas, saem da boca, mas não do coração. O coração fala em silêncio. Não fazíamos planos, porque não pensávamos no futuro. Para nós, era o agora. Não importavam os dias, mas sim os minutos. Os segundos.
Pausa, pausa. 
Era urgente. Dramáticos efeitos, escondendo o suspense de nossos defeitos. Perfeitos, éramos nós, justamente por saber da implícita imperfeição que escondíamos debaixo da pele, naquilo que chamamos de alma. Contigo, andava desnuda, sem pudor. 
Pausas longas. 
Simplesmente acontecia. Na maioria do tempo, em que os dias passavam um após o outro, não pensava muito m ti. Porque os dias não nos dão tempo para pensar, os dias exigem apenas que você exista e cumpra aquilo que te mandam cumprir. Os dias se dizem livres, mas é uma liberdade disfarçada. Meus dias com você não tinham disfarce, eles eram atemporais. 
Você era a minha pausa, com seus pausados passos que jamais caminhariam seguidos dos meus.Desconfiava até que você não tinha passos, mas sim asas, ao passo que eu queria voar, mas ficava fixada no chão, como se vestisse uma pesada bota que diriam que era confortável para seguir meu caminho, mas que na verdade deixava tudo mais lento. Descalça. Era assim que me sentia com você. Pés no chão machucam, eu pensava. Mas pés no chão sentem, você me mostrava. Você que eu desconfiava que nem pés possuía. 
 Não sabia nada de você. Apenas que não adiantava a espera, você me esperava em certas esquinas quando eu estava mais distraída. Mas eu estou sempre distraída. Com você não adiantava encontros, mas sim os desencontros. Eram neles que a gente era. É em ti que sou, mesmo quando não sei exatamente o que significa ser. Não seja. Não queira. Sinta, somente. Não desespere, muito menos espere: perceba. E então eu percebi porque de tantos encontros furtivos, porque era justamente no meu despreparo que você me encontrava mais preparada: porque você me queria nua. Em todos os sentidos.  
Pausa. 
Descalça. 
Nua. 
Sua. 
Não. Minha. Sendo só minha é que posso doar-me por inteiro.
 Doei. E com você, nenhuma vez doeu.

segunda-feira, 31 de março de 2014

Um texto sobre nada.

Mas na verdade o nada é uma palavra esperando tradução

Comecei a escrever querendo dizer nada. Não tinha nada que valia ser dito, mas ainda assim, precisava escrever. É algo que pulsa dentro de mim, algo que precisa ser jorrado para fora, não consegue ficar preso. Mesmo quando quero dizer nada, absolutamente nada, não consigo ficar quieta. Talvez seja esse o meu mal: mesmo quando há vazio, quero transformar o vazio em algo. Não consigo deixar ele somente lá. Vazio pesa demais, e colocar ele pra fora, mesmo que seja assim, sem nexo, sem assunto, sem viés, deixa tudo mais leve.

Aliás, as coisas não tem nexo. Já parou para olhar ao redor? Outra coisa que não consigo ficar sem: questionar. Indago tudo: por que a gente dorme? Por que existem roupas feias e bonitas, se o intuito é só cobrir o corpo? Por que doce é sobremesa e não ao contrário? Por que dinheiro é papel e não se fabrica a reveria? Por que música boa não faz sucesso? Por que beleza vem primeiro? Por que celebramos a estupidez?

Não sei olhar as coisas e não questionar. Não encontro resposta para tudo, é claro, mas o que me move são as perguntas. Aliás, movimento é o que me alimenta; mesmo se estou gastando um domingo inteiro de pijamas fazendo nada, estou em movimento. Sou um movimento. Sou constante. Mesmo que seja só dentro de mim.

Dentro de nós, aliás, é uma coisa muito louca. Tenho um prazer enorme em ficar horas parada em um lugar, observando os trejeitos das pessoas e pensando o que será que está movendo elas. O que será que elas estão pensando? Qual batalha está travada ali dentro? Quantas estão parecendo ser fortes, mas na verdade só queriam desabar? Quantas estão desabando, quando na verdade deveriam estar sendo fortes? Vejo os casais e me pergunto qual será o quase-amor que tiveram que abandonar para que aquele amor se consagrasse. E, quantos daqueles, estão presos há algo que chamam de amor, mas não passa de desespero?

Amor. Outra coisa que me confunde. Amo tanto, amo ninguém. Quero ele livre, quero ele solto, quero ele amarrado em mim. Como se diz eu te amo hoje em dia? Como se ama hoje em dia? Se ama igual. Era para ser assim, ou não, não sei. Não sei quem inventou regras para determinar como se ama, ou como se veste, ou porque doce não é prato principal ou então porque não se imprime mais dinheiro.

Não sei. Não queria dizer nada... só que eu não gosto do vazio. E que gosto do amor, acho que queria dizer isso também. É só que minha cabeça é muito pensante cara. Muito mesmo. Não vou terminar porque afinal de contas nem comecei. Só queria dizer que... ah, esquece vai. Continua. Todo dia igual.

Só preciso contar que hoje almocei uma sobremesa.

E acho que amei você por uns minutos também. Ou mais, quem sabe.

sexta-feira, 14 de março de 2014

Canção pra não voltar.

Não sei flutuar nas nuvens como você/Você não vai entender/Que eu não sei voar

Fumava o último cigarro enquanto estava à sua espera. Tic Tac. Uma tragada longa. Seriam duas longas semanas da mesma coisa. Eram três longos anos da mesma coisa. Se perguntava o porque de tantas idas e vindas, mas sabia que era um defeito do ser humano esse de persistir no erro, da dificuldade de abandonar. Amassou o cigarro no cinzeiro e sentiu aquele cheiro de tabaco queimado, a campainha tocou.

 Quase estranhos, um beijo frio. Formalidades (pra que formalidades?), como foi de viagem, tem pizza no forno, café na cafeteira, sim, sem açúcar, etc etc. Os dedos estavam frios, o coração inquieto e chovia lá fora. Mais um beijo frio, chovia ali dentro.

 Os três primeiros dias foram um inferno, dividido entre amor e ódio. Farpas foram trocadas, lágrimas derramadas, juras de amor eterno sussurradas no ouvido enquanto faziam um amor urgente. Depois, cada qual para o seu lado, sempre pisando em ovos, destacando o defeito um do outro. Promessas de ir embora, para sempre dessa vez, pedidos para ficar, mais beijos frios, cigarros por todos os lados. Foram só três dias. Queria que ficasse, mas não queria mais.

 No final da primeira semana, nada tinha mudado. Essa mesma contradição, que machuca. Esperou chegar da padaria – pode perceber, de um modo doído, a sua beleza – e pediu para que se sentasse. Pegou seus dedos calejados e frios. Silêncio. Entre as fumaças, explicou-lhe que sabiam que não iam a lugar nenhum. Que seria sempre assim. Existia o amor, é bem verdade, muito amor aliás, mas eram muito diferentes. Tinham mais uma semana ao lado um do outro, que pudessem ser livres e se amar livremente então. 

Sem passado, sem futuro, apenas um dia de cada vez. E então cada um seguia seu caminho, mas com a lembrança dessa última semana para acalentar seus corações. 

Chegou o último dia daquela semana, um aperto no coração. Haviam dado risada, não discutiram, sem amaram em silêncio, falavam com os olhos, se entenderam. Estavam sendo quem eram, estavam felizes. Viveram seu amor na forma mais puro, mas tinham que ir. No caminho da rodoviária, apenas as mãos entrelaçadas – não havia nada que podia ser dito, não queriam perder aqueles dias. Não havia o que mudar. Hora de ir, um beijo demorado, sem a necessidade de um ‘eu amo você’. Certas coisas não precisam ser ditas. Se foi, se foram. 

Era o primeiro dia de um novo ciclo. Sentiria saudades. Já sentia, de certa forma. Sentia muitas coisas, sentia muito. Mais uma tragada longa, uma tosse seca. Apagou o cigarro, apagou você. Dias se passariam sem nenhum contato, embora o desespero ás vezes batesse forte na porta e a saudade invadisse a cabeça como uma flecha. Dói, essa coisa que chamamos de amor. Dói, esse amor que inventamos para tratar como uma coisa. Os dias passavam lentamente. Lentamente, você passou também. E assim, já é verão novamente. Não se viram, nunca mais. 

A vida às vezes é difícil de se viver, pensou. Mas foi só isso. Difícil de se viver, mas se vive, um dia após o outro. Com sua lembrança já desbotada como uma roupa colorida que fica muito tempo esturricada no sol. Estava com a alma nua, a partir de agora.

quinta-feira, 27 de fevereiro de 2014

Vão viver, sem viver em vão.

Né?


Maria era uma menina com uma beleza média. Cabelos médios, altura média, peso dentro da média, inteligência mediana, que usava para gravar os últimos sertanejos do momento, dançar quadradinho de oito e enviar na velocidade da luz seu nome para todas as festas mais badaladas. Maria usava chinelo havaianas e ficava até três dias sem lavar o cabelo, pegava ônibus para seu emprego que detestava e quando queria impressionar nas redes sociais digitava Caio Fernando Abreu no Pensador e postava com uma hashtag Cult. Maria nunca leun nada sobre o autor e acha que frases como “Eu cuido, corro atrás, peço desculpas, me importo, mas quando eu desisto, pode crer, meu desapego é pra sempre!” são dele. Maria nem sabe o que é desapego, acha que significa emprestar aquele shorts badalo para sua amiga.

 No instagram, Maria tem muitos seguidores. Está sempre linda e feliz, come sempre sushi e é focada na academia, bebe cerveja às sextas posta o look do dia. No Tinder Maria é interessante e descolada, no Whatsapp Maria é falante e inteligente, sempre tem assunto. Maria é incapaz de viver sem baseblushpórímel, sente falta de um cara que queira fazer sexo – sem ir embora no dia seguinte em busca de outro match – e é incapaz de manter um diálogo sagaz pessoalmente quando está sóbria. Maria não consegue olhar nos olhos, não sabe ter firmeza em um assunto se não pode pesquisar no Google e se esqueceu como é andar olhando pra frente e apreciando a paisagem. 

Maria se sente angustiada toda noite e não sabe porque. Por mais que Maria saia, faça sexo, ganhe likes, tenha suas ideias – que nem são suas – compartilhadas, todo dia vai dormir e acorda com essa sensação de vazio, um vazio inexplicável. Mas ainda assim acorda e faz as mesmas coisas todos os dias, porque Maria, tão #determinante e #focada tem medo de sair da própria bolha que criou para si. Só quero ser aceita, diz Maria, mas Maria, aceita por quem? Aceita para que? Maria queria que a vida da rede social fosse sua vida de verdade. Maria não sabe o que é ser social nem o que é vida de verdade.

 Maria é mais uma das milhões de pessoas que buscam na tecnologia a ‘realidade aumentada’, com cada vez mais velocidade e dinamismo para imitar o que deveríamos estar fazendo: nos socializando. Somos diversas Marias e Joãos cada vez mais solitários em busca de uma companhia refletida em um ícone que pisca. Queremos cada vez mais ser inseridos em círculos descolados só para colecionar egos, para no final das contas acabarmos sozinhos esperando mais uma nova mensagem, um novo like, um novo match. 

Se parece exagero, uma pesquisa do portal Huffington Post apontou que 48% das mulheres americanas preferiam ficar sem sexo do que ficar sem seu smartphone. E mais: 47% deixam o celular ao lado da cama para usá-lo assim que despertam. Despertar, aliás, é o que está faltando para as pessoas desse mundo: não busquem realidade aumentada através da tecnologia, ela está logo na sua frente, é só levantar os olhos. Ao invés de ver #sunset, que tal ver o por do sol numa praia? Invés de fazer pose para o #treino que tal dar uma corridinha na rua e chegar exausta e descabelada, como deve ser para quem realmente treina? Porque ao mesmo tempo que expomos tudo da nossa vida, nos encolhemos cada vez mais?

 Fiquei um tanto impressionada com o filme Her, onde o protagonista se apaixona por um sistema operacional, mas logo percebi que isso basicamente já existe: se o Iphone começar a fazer sexo e cafuné, digam Adeus para os relacionamentos humanos. Que mundão.

segunda-feira, 3 de fevereiro de 2014

Uma história (i)real.

Eu ouvindo o Rio.


Antes de começar a contar essa história, preciso avisar que ela é uma história inventada. O que não significa que cada linha que escrevo aqui não seja real. Também preciso avisar que não sei contar histórias, e justamente por isso insisto em contá-las. Escrevo aqui com o coração.

Quem me contou essa história foi o rio. Ele sussurrou em meu ouvido enquanto estive deitada em cima de sua pedra, com as mãos mergulhadas em sua água gelada. 

Ele não soube me precisar há quanto tempo foi, porque o tempo para o rio é diferente do tempo para nós. A história começa com uma menina, chamada Indiferença, que aos dez anos foi abandonada pela mãe no leito do rio. Nessa época, seu nome era Luz, e foi justamente por conta dessa luz que irradiava que acabou na escuridão sem fim da mata vazia. Acontece que a mãe de Luz amava cegamente seu homem, que não aguentava competir com o brilho que vinha da menina, pedindo então para que a mãe escolhesse entre os dois. A mãe, cega de paixão, achou que não poderia viver sem o homem, e cedeu aos seus desejos. Assim, luz tornou-se indiferença, em nome de uma loucura de amor. 

A menina passou então a odiar o amor. Sozinha, sem saber o que fazer, entregou-se à natureza, e foi acolhida pelo rio, que a amou no primeiro instante que suas lágrimas salgadas se misturaram à sua doce água. Com o tempo, desaprendeu a ler e escrever, pois não precisava mais dos ensinamentos dos homens, apenas dos ensinamentos dos Deus da natureza. Conseguia da terra tudo que precisava, conhecia os animais, entregava-se ao rio. Também o amava, pois repudiava o amor dos homens somente. 

Dez anos se passaram e Indiferença cresceu. Tornou-se bela, com a pele morena do sol, longos cabelos encaracolados e um brilho no olhar que carregava de quando ainda era Luz. Passou a atrair homens de diversas idades, solteiros, casados, ricos e pobres, que iam até o rio para tentar encantar a Indiferença. Ela, que continuava odiando o amor, se deliciava em seduzi-los e depois abandoná-los, sumindo por entre o verde do mato e os deixando perdidos ao leito do rio, que quieto agradecia por cada homem que Indiferença acabava por dispensar. 

Até que um dia, aconteceu. Indiferença não conseguiu ficar imune, e ali mesmo no leito do rio se entregou, de corpo, alma, pele, paixão, desejo e amor. Se banhou em águas desconhecidas. Pela primeira vez, quis deixar a mata, o rio, o seu berço. Pela primeira vez na vida, Indiferença entendeu a mãe. 

 Porém, o rio, que sempre amou incondicionalmente a menina, que sempre a acolheu em suas águas calmas, não conseguiu aceitar. Em sua fúria, afogou a menina. Queria transformá-la em pedra, para que ali ficasse para sempre. Acontece, que as forças da natureza são sempre justas. Naquele dia, Indiferença morreu sim, mas não virou pedra, virou flor. A mais perfumada de todas. Um dia foi colhida e por um casal de namorados e teve suas pétalas jogadas na água do rio, que teve que suportar seu perfume enquanto assistia lentamente as pétalas viajarem por sua água até se perder no mar. Desde então, aquele rio nunca mais foi calmo, sua correnteza e forte, avassaladora, nem mesmo suas pedras ficam ali para sempre.

 - Por que? Lhe perguntei.

 - Para aprender, me disse ele. Nada agora fica preso em minhas águas, para que eu entenda que o amor tem que ser solto. Tem que fluir. Nosso maior erro é querer aprisioná-lo, fazer com que ele seja pedra. Por causa dessa nossa obsessão, acabamos por matá-lo. 

- E a mãe da menina?, voltei a questionar.

 - Não foi feliz, me disse o rio num sussurro. Ela também teve sua lição. Ela não queria aprisionar o amor, mas queria abdicar de tudo por causa dele. Abdicou de uma parte sua, de um pedaço seu no mundo, por causa de um amor. E agora vive só uma meia vida, procurando por Luz e achando Indiferença em todos os lugares. 

Fechei os olhos por um momento e pensei nas minhas próprias histórias. Por vezes, fui rio, por vezes, indiferença, por vezes, a mãe da menina. O que esqueci foi, de muitas vezes, ser eu mesma. Agradeci ao rio. Fiz uma concha com as mãos e bebi daquela água: queria que essa correnteza fluísse dentro de mim.