quarta-feira, 23 de março de 2016

Desatinos que surgem durante a madrugada de domingo



Ainda é difícil falar sobre você. Pensar em você. Existe um você preso na minha garganta de uma maneira que não consigo nem engolir, nem colocar pra fora. É difícil, veja só, escrever para você. Logo eu, logo eu, tão tagarela sobre tudo, sempre achando que a vida é um papel em branco sempre disponível para contar uma história. Mas não sobre você.  É como se tua voz rouca rompesse o silêncio comum nas madrugadas do meu bairro calmo. É como se você fosse chegar num rompante, com o mesmo sorriso largo que num sábado qualquer atravessou a minha sala. A sala já não é mais a mesma, nem o bairro, nem você. Eu nem sei mais quem você é, ou o que você é – não sei o que faz nessas tardes abafadas de início de outono, se ainda toma o mesmo café preto com uma colher bem rasa de açúcar enquanto fala de coisas profundas e misteriosas do mundo.  Não sei se agora despejas seu hálito quente no pescoço de alguém, abafando suspiros com mordidas no travesseiro – e nem quero saber. Não quero saber de nada disso. Não quero saber que aquela sala agora é habitada por qualquer pessoa que não nós, talvez por um casal sem graça ou duas senhorinhas que fazem tricô religiosamente às três da tarde, não quero saber que em algum lugar daquele estado frio e sem alma a sua alma quente habita seu corpo também quente, ao passo que o meu está aqui, também com uma alma quente, em outra sala, em outro canto, despejando frases sem sentido, mas que me fazem sentir que eu não quero saber mais nada de você, mas ao mesmo tempo ainda está esse você entalado na garganta, nas três cartas que tentei te escrever e não conclui, na blusa velha que está já empoeirada no mesmo lugar que você deixou da última vez, porque eu não consigo tirar – você da garganta, as cartas do caderno, a blusa do canto, os questionamentos da cabeça, as lembranças do coração. Amor não dói. Amor só é bom se doer. Dois poetas e duas certezas, enquanto eu só tenho uma: Amor.
Mas a minha incerteza paira sobre as suas coisas que eu não quero saber.
Ainda é difícil falar sobre você. Pensar em você. Engolir e digerir você.
Mas, no final das contas – e você riria, porque sabe que eu não sei fazer contas – eu falei sobre você. Escrevi sobre você. E, quem sabe, irei soltar esse você preso na minha garganta, nova sala, blusa no canto empoeirada e

E.

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