quarta-feira, 2 de setembro de 2015

Devaneios de uma saudade de domingo.

Para ler ao som de: Tú me acostumbraste - Caetano Veloso

Chuva caia lá fora, música tocava em espanhol. Chuva caia em espanhol, música tocava molhada aqui dentro.  Pingo da chuva, Tú me acostumbraste a todas esas cosas e agora não estava mais aqui. Café aquecia meu coração e me fazia esquecer por alguns segundos que era você quem preferia Caetano cantando em Espanhol, dias de chuva no lugar dos dias de sol e que me fazia parar o que fosse  para poder contemplar o momento mágico e único do pó misturando-se com a água transformando o cheiro de nada em fumaça perfumada. Minha fumaça era agora de cigarro e tinha o pigarro da garganta por tudo que estava entalado e eu não quis dizer. Não disse porque preferia lembrar de ti ajeitando a franja que atrapalhava a sua leitura. Não disse porque queria sua risada tímida por saber que eu só fingia ler para poder te contemplar secretamente. O que de tão secreto guardava tua mente quando sabia que eu no fundo mentia sobre todas as coisas cultas que falava só pra te impressionar? Completamente louca por ser tão contida, como conseguia você ter uma delicadeza furiosa que transformava pequenos gestos em cenas de cinema que Almodóvar jamais conseguiria retratar?

E agora só tenho o retrato esquecido na gaveta.


Era domingo. Chuva, voz, café, Almodóvar que eu nem gostava e você em um lugar qualquer. Nos domingos, você sabe, enquanto eu mínguo, você fazia alarde porque era seu dia preferido, dia de saudades, dizia você. Enquanto eu reclamava você amava, amava amava amava até me sufocar entre as paredes da casa, dizendo que já estava com saudades desses pequenos momentos e eu não compreendia nada, te amava assustado e depois te deixava num canto sem entender todo esse encanto que não acontece na segunda nem na terça, só aos domingos. E veja só. Estou só.  E assim eu entendo o que você quis dizer.  Não me lembro quando você partiu – quando eu te mandei partir porque não entendia nada sobre partilha – mas me recordo do seu sorriso mudo que me dizia tudo sem falar, e eu que quis também me calar acabei transformando tudo o que era tão nosso em um calo doido e doído que me emudece e não me deixa mudar daqui. Fim de domingo – eu queria ser a saudade de alguém, mas a verdade é que sou eu quem morre de saudades. De saudades de você.

Segundo post do grupo Escritores na Era do Compartilhamento. Leia também: Tati Argenta; Leca Lichacovski; Sâmela Faria; Jô Lima; Joany Talon; Nathalia Moraes;  Ju Rodrigues;  Tamyhe; Taciana Gaideski; Fernanda Probst.

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