Sol em escorpião, lua em câncer e um coração tão intenso,
profundo e misterioso quanto os mares que deixa espalhados em muros pela
cidade. Desenha olhares indagadores que nada mais são do que suas próprias
dúvidas retratadas nos seres que mais ama, admira e justamente por isso te confundem
tanto – as mulheres. Coração vagabundo que quer guardar o mundo dentro de si,
Caetano cantou uma vez e talvez ele falasse sobre você. Coração que ama, ama,
ama e justamente por isso se confunde tanto, perdido entre a vontade de ser
livre e o medo de se perder justamente nesta imensidão chamada liberdade; a
vontade de deixar ir misturada com o inferno da posse; a vontade de sentir
todos esses sentires latentes que pulsam em suas vísceras com o medo de ser
julgado por, veja só, ser exatamente quem és. Por trás dessa armadura que veste
todas as manhãs antes de sair para fazer coisas de adulto forte e bem
resolvido, por trás de cada fio de cabelo meticulosamente arrumado para que
você pareça quem no fundo detesta, há aquele que quer ser descabelado em cantos
escuros e esfumaçados de festas com gente estranha, aquele que quer arrancar as
roupas de adulto certinho e perder as horas em uma cama qualquer de um quarto
que tenha frases na parede e um violão sem corda. Não tente disfarçar, eu sei. Vi tudo isso desde a primeira vez em que vi
você, quando ainda falávamos cordialmente sobre alguma banalidade qualquer. Eu
acendi um cigarro e li alguma poesia besta sobre amor – amor é mesmo sempre
meio besta – chovia fino e eu podia sentir seus olhos castanhos e profundos
analisando cada poro do meu corpo, me desejando justamente por eu ser o
contrário daquilo que você tinha todos os dias na sua cama limpa e arrumada.
Você sabe disso. Você sabe que eu sei disso. Justamente por isso entramos nesse
jogo sujo de desejo e amor, onde eu fingia que nada sabia e você fingia que era
esse rapaz sério de todo santo dia.
Sol em escorpião, lua em câncer e um sábado qualquer. Seus
olhos intensos e castanhos e profundos mirando cada poro do meu ser e me
desejando mais intensamente do que nunca, porque agora você sabia que eu sabia
que você sabia que. Peguei o chapéu da sua cabeça e coloquei na minha, sussurrei
algo sobre escorpião em seu ouvido e fui dançar no meio daquela gente toda –
aquela gente toda que você finge que detesta, mas que no fundo almeja. Aquela
gente toda como eu, que você finge que desta, mas que no fundo almeja. Luzes
azuis- sempre a cor mais quente - iluminavam
partes do meu corpo, que seguiam o ritmo livre da música tocava. Entre outros corpos frenéticos eu te
via parado, com a cerveja na mão, olhos fixos em mim. Eu sorria e logo me virava, te provocando
porque sabia que era proibido e porque sabia que iríamos ser rebeldes só desta
vez – amanhã, lençóis limpos, moça loira e cabelos alinhados outra vez. Mas
hoje, ah, hoje não.
Caminhei para o canto escuro onde amores proibidos acontecem.
Sem demora, você chegou, no momento exato em que dei a última tragada em meu
cigarro e deixei a fumaça cinza se esvair na escuridão. Nos olhamos – seus olhos
escuros intensos e misteriosos sempre me falaram tudo sobre você, e naquele
momento deixavam muito claro que você me queria. Me queria muito. Queria sentir
meu gosto, o gosto do oposto do que você gosta.
Sua boca na minha, primeiro tenra e macia, para logo depois explodir
nessa intensidade escorpiana de lua em câncer. Não precisamos falar nada – eu sabia
e você sabia. Não existia certo ou errado, nem antes ou depois, somente o
agora. E o agora passava rápido. Sua mão na minha coxa, sua mão quente e
profana na minha coxa, e querendo mais. Querendo que eu e você deixássemos
fluir livremente essa coisa intensa que sentimentos desde aquela primeira vez
entre banalidades e poesias bestas sobre amor, querendo que eu e você
confundíssemos nossas pernas, pelos e apelos até o último suspiro ecoar entre o
canto escuro onde amores proibidos acontecem.
Mas era o momento do agora e esse momento passa rápido. Não
houve nada mais do que poucos beijos, mãos e muito desejo – desejo que vez em
quando te atormenta entre os lençóis limpos de todo dia, entre os mares que
espalha pelos muros da cidade, entre os olhares indagadores que são o reflexo
da sua própria dúvida. E eu, ah, eu sou apenas a antítese disso tudo, uma entre
tantas que ainda irão te atormentar em algum sábado qualquer. Eu, ah, eu não
posso te dar essas respostas que você tanto almeja. Sou eu uma própria
pergunta.
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