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Foi pouco tempo, mas parece que eterno. Ainda hoje, passado tantos anos – eu não mais menina e você bem mais homem, quem sabe – ainda lembro como se tivesse acontecido dias atrás. Lembranças boas não se perdem, ainda que.
Eu tinha apenas vinte anos. Digo apenas, porque não era madura o suficiente – o mundo para mim era uma grande aventura, eu vivia sempre alegre e não enxergava as possibilidades. Você era tão pé no chão, com seus trinta e tantos anos – quantos mesmo? Não me importava na época. Eu não queria saber, eu era encantada por você, e mais encantada ainda pelo fato de você me escolher, eu tão infantil, com rosto de menina, com uma vida quase de adolescente ainda que com idade de mulher – você podia ter tantas mulheres, tão estudadas e inteligentes como você era, tão pertencentes ao seu mundo de blues, Nietzsche, Hendrix, Godard e tantos outros nomes que na época não me faziam sentido, mas não, você escolheu a mim.
Eu adorava a sua voz rouca, que me dizia tantas coisas sobre o mundo. O mundo, menina, vai muito além do que você tem aqui. Você vai querer conhecer o mundo. As ruas sujas de NY, os metros escuros de Londres, os pubs escondidos de Dublin. Você vai querer pertencer a tudo isso, sair daqui, ir muito além.
Mas eu tenho você, pra me contar essas coisas, dizia eu. E você então sorria, dava mais uma tragada no cigarro e beijava a minha testa.
Quanta paciência teve você e minhas crises de ciúmes – ciúmes daquelas mulheres lindas e bem resolvidas que ficavam ao seu redor, enquanto eu era apenas uma estudante da cidade grande – cidade que eu nem sequer explorava. Quantas vezes você me agüentou chorando por minha insegurança ou foi me buscar bêbada em algum bar. Tão inconseqüente! Mas para ti eu era interessante. Misteriosa, com uma mente que não descobriu ainda seu poder, e com uma sedução tão inocente que não imagina o poder que tem, dizia você. Eu apenas ria, boba, encantada.
Inúmeras vezes falei que te amava, que não iria suportar a dor de viver sem você. Tão dramática, sempre fui. Achava que a vida era um palco. Mas você me dizia que era do mundo, que tinha muita coisa para conhecer. Eu ficava perturbada com a hipótese de não ter mais você, te achava tão meu, ainda que soubesse que mais cedo ou mais tarde você partiria.
E você partiu.
Em um domingo, fazia frio e a cidade estava quieta, vazia. Você saiu da minha casa sem me dizer nada, apenas me deixou um bilhete: tive que partir menina. O mundo é grande. Sua dor vai passar, mas você aprenderá com ela. Aprendi muito mais com você do que você comigo, e mesmo que você não entenda tudo isso agora, mais tarde verá que foi necessário.
Assim, sem uma palavra de carinho, sem um numero de telefone. Sofri por dias, bebi muito, fumei muito, chorei muito. Não conseguia entender essa partida.
Mas o tempo foi passando, amadureci finalmente, e depois de tanto sofrimento, dor, saudades e incompreensão, consegui ficar apenas com tudo aquilo que foi bom.
Agora, mulher, resolvida, com o tempo já fazendo marcas em mim, compreendo tudo. Partiu quando tinha que partir, foi embora para me deixar livre, para me deixar crescer. Conheci o mundo, conheci a mim mesma. Sinto saudades de você, claro, daquela época e tudo mais. Mas sei que teria sido muito diferente, que eu não teria chegado onde estou se você não tivesse partido.
Ah, mas lembranças boas não se perdem, ainda que.
Ps. Fragmentos reunidos na página do blog. Curte?