sexta-feira, 15 de maio de 2015

Inside



Talvez porque não tivesse fumado nem estava com uma bala refrescante na boca, não apreciou o gosto do beijo. Ou talvez, estivesse ansiando por outros gostos – afinal não era a primeira vez que acontecia. Aquela boca tinha um sabor que não cabia, ou seria ela que não caberia mais nesses tipos de beijos? O corpo era como gostava, mas nem por isso se viu longe enquanto estava no ato. Bom, mas automático, como que para preencher um papel. Bom, mas sistemático – o encaixe perfeito dos corpos que a natureza e os pastores dizem que  foram feitos para se completar, mas a  deixava na verdade fora do eixo. Num quarto em que se confundiam salivas, pelos e pele; ela só contava as horas e deixava seu pensamento voar longe.

Já em casa, sentindo o gosto do cigarro amargo após uma noite que tinha tudo para ser doce, não entendeu.  Talvez não soubesse mais se entregar. Ultimamente sua mente confusa procurava explicação, seu coração parecia se fechar para qualquer sentimento que tentasse se acomodar ali. Amou muito em outros tempos, demais até, teria então se esgotado? Tomado amor até a última gota secar? Não poderia ser. Era ela todo amor, em tudo, amor de dentro pra fora, mas não sentia mais ele entrar. Não era culpa deste cara. Tinha tido outros. Tinha o menino perfeito, com peculiaridades parecidas com as suas, com disponibilidade para quem sabe ser seu, mas ela queria tudo e não queria nada, queria ter e não ter – ou melhor: sentia falta mais não conseguia.  Encheu todos de desculpas: não tenho tempo, não posso me entregar, não é você, sou eu.  Como se o amor precisasse de tempo.

Um dia, na sala fria, se viu olhando curiosa o que não devia. Enquanto passava os olhos e sentia algo estranho no coração, lutava entre o por que e o ora, por que não? – Mas era só uma inquietação, nem tinha visto pessoalmente até então, como explicar aquele Tum Tum descompassado que de tanto batuque poderia virar canção?  Até que viu. E o que sentiu, ah Deus, por que sentiu? Sentia tanto, em uma fração de segundo, em olhos que cruzaram os seus (ai meu Deus,ai meu Deus, por que eu?) e até agora tenta entender o que aconteceu.  Quando olhou, viu mais do que poderia enxergar sua visão. Não viu coisa de casca, viu foi toda a alma, que tirou o fôlego e a fez perder a calma.

Embora a voz maravilhosa encantasse quem fosse, era a risada doce que queria ouvir. Embora os olhos fossem verdes como o mais bonito o mar, era só a pureza do olhar que conseguia sentir. Embora não tivesse tido nenhum momento de carinho intenso, bastou o toque da pele para que  entendesse que aquilo tudo era muito imenso. Minha mão na sua perna, sua boca no ou ouvido, queria que aquela música fosse eterna, queria você aqui comigo.

Mas você já tem abrigo.

Queria fazer de mim sua morada,

Você segue cantando

E eu escrevo de um jeito meio torto tudo que queria te dizer


Mas permaneço calada.

2 comentários:

Ana Paula disse...

Há silêncios que falam!
Lindo a tua escrita. Beijo!

Unknown disse...

Beijo com café ao lado