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No nosso livro, a nossa história, é faz de conta ou é faz acontecer? |
Queria escrever mas já não sei quanto tempo faz. Tanto faz,
tanto fez, fizemos disso uma história, que tem um final que parece triste, mas
não é. Embora seja um ponto final e esteja mais para crônica do que para
história, você escreveu umas linhas bonitas no meio de uma frase rabiscada. Eu
quase não entendi o que significava, o motivo dessa sua pressa, mas tinha que
ser assim. De que adianta páginas e páginas e páginas se no final fosse uma
história vazia? Mais vale meia página de uns versos tortos que me faça lembrar
de cada vírgula.
Só que o que acontece é que toda literatura é uma mentira.
Escrevo porque é um jeito lindo de mentir, e de te ter aqui comigo. Digo que
foi uma história linda porque assim fica mais gostoso de ler, conto para todos
que cada palavra que me escreveu em uma página rasgada é de um sentimento surreal, mas é ficção. De todas as formas de mentira, literatura é a minha
preferida, alguém disse. Tenho duas: literatura e você.
Te invento, a cada vez que quero lembrar-me de você. Te
invento, por vezes como alguém especial que fez parte do meu mundo, por vezes
como uma brisa leve que passou. A única verdade disso é que você veio e passou,
e a vida sempre continua, e eu continuo te inventando de mil formas para
disfarçar aquilo que você é, uma ilusão. Ah, como sei te escrever muito bem,
como te encontro em certas músicas que você me apresentou, como te busco em
certos corpos que surgem tão rapidamente como se vão. São eles uma espécie de
literatura também, alguns tão suaves como poesia, outros tão pesados como um
conto do Bukowski (de quando ele estava bêbado e desacreditado na vida), alguns
ainda cheio de entrelinhas, como uma crônica perdida no meio de um livro da
Clarice.
Minto, porque escrevo. Não sei em quantas linhas até agora
falei a verdade. Mas tudo bem, todos mentem o tempo todo, todos estão sempre
felizes, exibindo as pernas no domingo de sol ou tomando uma cerveja na
sexta-feira fim de tarde, todos escrevem de um jeito – meio esquisito – a
própria ficção. Que eu possa ao menos falar de um jeito bonito a mentira que
você foi.
É tudo verdade. Fui lá ler o bilhete e você existiu mesmo.
Quanto tempo já faz? Tanto faz, tanto fez, fizemos desse o nosso caminho, o que
você faz eu não sei, eu escrevo para tentar traduzir em adjetivos bonitos a falta
que você faz. Sobra linhas, sobra falta, inspiração é uma fartura para escrever
a minha ficção sobre a mentira que é você.
Você acharia bonito, sempre achou lindo tudo que eu escrevia, vinha da
alma, você disse. Não vinha não. Se você é o conto que escrevo agora, acho que
sou sua literatura. Traduzida em música, que é tudo que me aproxima de ti. Só o
que acontece é que literatura é tudo uma mentira. Linda e suave, mas ainda
assim uma mentira. E eu sou a tua tanto quanto você é a minha. E ponto final.