terça-feira, 13 de setembro de 2011

Um conto.

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Como de custume, entrei no café. Pediria o de sempre - capuccino - e quem sabe algum daquele brownie que por vezes tinha ali. Como de costume, ele estava ali. Um jornal aberto, uma cara séria, um café expresso. Mas eu sabia, ah  e como sabia, que por trás daquela expressão séria e do amargo do café havia uma história a ser contada. Uma história doce, talvez amarga, talvez intensa. Ele folheava o jornal, tomava o café, e iria embora. Subia na moto, expressão dura no rosto, e sumia por entre as ruas da cidade grande. Todo dia era assim.
Mas havia uma história, uma história a ser ouvida.


Lembro das vezes que eu acordava com o cheiro do café, café forte que você fazia, vestida com minha blusa, nas manhãs de domingo. Trazia até a cama, e deitava, pedia para eu cantar. Eu costumava cantar, é verdade. Você deitava sua cabeça no meu colo, enquanto eu cantava. Depois levantava, pegava algum cigarro e escrevia, escrevia sem parar, porque se parasse  - você dizia - se parasse o momento não seria mais o mesmo, as palavras seriam outras. Depois você lia pra mim, me olhava esperando minha reação. Eu sempre adorava, sempre amava seu jeito de escrever, tão intenso, as vezes impróprio, porém sempre verdadeiro. Assim era você. Eu te amava mais do que cabia a mim.


Hoje ele estava mais nervoso, não nervoso não é palavra certa. Absorto, talvez. Os olhos estavam vagos. Pedi um brownie hoje, queria demorar mais. Queria decifrá-lo. Era seu segundo café, uau, nunca eu vi ele pedir dois. Hoje alguma coisa acontecia.


Não sei ao certo quando começou a acontecer, mas acontecia - ou melhor, nada acontecia. Estávamos caminhando para aquele caminho, aquela estrada, onde você seguiria por um lado e eu talvez ficasse parado, esperando que você voltasse. Você já não escrevia mais, se escrevia não lia mais pra mim. Nossos passeios de moto pelos cantos da cidade tão nossos já não existiam. Eu queria conversar, queria me entender mas cada tentativa resultava em brigas que duravam horas para reconcilizações que não passavam de minutos, tão vagas. Você estava indo, e eu não ia com você. Isso doia em mim.


Como ele era lindo, mas de uma beleza triste. De alguém que não dava uma risada já tinha algum tempo. Ele queria parecer sério, mas eu sei que era triste. Eu iria sentar do lado dele, iria dizer pra ele não se preocupar, que vai passar. Que ele devia abrir a porta, seguir em frente, lá fora tinha uma vida linda para viver. Eu diria tudo isso e iria embora, teria alguma vergonha, mas sabia que tinha que ser dito.


Um dia ela foi, faz um certo tempo até. Levou com ela um pouco de mim, mas não deixou nenhuma parte dela comigo. Ela não queria mais, isso doia muito. Mas a gente tem que sempre que continuar, o mundo não para assistir aos nossos dramas, então assim eu continuava, mas não era mais o mesmo. Sentia saudades de sentir aquela coisa quente e misteriosa que dão nome de amor, mas também sabia que o que vinha depois dele era frio e terrível. Virei mais uma página de jornal, senti um cheiro agradável, de repente. Algo acontecia.




- Só o que eu fazia era servir cafés, bolos, tortas e salgados, todos os dias. Mas, há muito além de bolos e cafés aqui dentro. Todo dia entravam pessoas, e junto com elas suas histórias, que nem sempre são contadas. Algumas, meus senhores, dariam ótimos livros, outras, um bom enredo para a novela das nove. Essa é a novela da vida, que acontece todo dia sem nos darmos conta. Nesse dia, aquela menina espevitada novamente pediu um capuccino, e novamente ficou olhando o homem alto de olhos tristes. Mas algo aconteceu. Talvez fosse o sol que fazia lá fora, ou quem sabe a posição mística da lua na noite anterior, mas foi algo que modificou o roteiro de duas vidas. Vi os dois conversando, vi ele rindo- acho que foi a primeira vez-, vi ela saindo e ele indo atrás. Vi os dois sumindo de moto pelas ruas da cidade. Talvez eu não os veja mais, começou um novo capítulo ali. Mas deixa eu ir, existem mais cafés para serem servidos (e outras vidas acontecendo).

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